Depois de uma briga, se o homem interrompe a comunicação com a vítima, mesmo sendo culpado pela situação, impõe um isolamento como forma de punição, a deixa confusa e ansiosa, trata-se de uma ferramenta de ação narcisista, conhecida como “Tratamento de Silêncio”. Essa e outras 13 técnicas de manipulação narcisistas foram abordadas pela mentora e palestrante Kelly Arfux, na tarde desta terça-feira (14), durante mais uma edição dos Colóquios Ministeriais, no auditório da Procuradoria-Geral de Justiça, em Cuiabá.
Promovido pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) – Escola Institucional do Ministério Público de Mato Grosso, em parceria com o Centro de Apoio Operacional (CAO) Estudos de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e Gênero Feminino, o evento teve como tema “Narcisistas perversos e suas ferramentas de ação”. O objetivo foi capacitar integrantes do Sistema de Justiça, de modo a contribuir para o aprimoramento da atuação funcional, especialmente nos processos relacionados à violência doméstica, bem como alertar toda a sociedade para essa prática.
“O Ministério Público precisa ter a compreensão de que precisamos sensibilizar, informar e dabater, o tema. Que o conhecimento adquirido aqui possa auxiliar no dia a dia das promotorias de Justiça, no acolhimento, no atendimento, na tomada de decisões de modo a neutralizar essa violência. Não há como uma sociedade civil organizada, uma democracia e um estado de direito compactuar com qualquer tipo de violência”, afirmou o coordenador da escola institucional, promotor de Justiça Antonio Sergio Cordeiro Piedade, na abertura do evento.
Pós-graduada em Neurociência, Kelly Arfux falou sobre o transtorno de personalidade narcisista (causas e características), as ferramentas de ação do narcisista (técnicas de manipulação) e quem são as vítimas (os sinais de alerta). “O transtorno de personalidade narcisista é uma condição mental na qual o indivíduo desenvolve um padrão generalizado de grandiosidade, além de requerer uma atenção constante e de não conseguir desenvolver o sentimento de empatia. O narcisista tem plena consciência do mal que causa ao outro, não é um alienado, lunático ou maluco, possui um grave distúrbio de caráter, uma perversão moral, é frio e calculista e incapaz de enxergar e tratar o outro como ser humano. Seu único objetivo é uma busca incansável pela sua própria satisfação pessoal”, alertou a palestrante.
Conforme Kelly Arfux, trata-se se uma patologia que acomete homens e mulheres, e que tem como critério de diagnóstico a grandiosidade, mascarando a baixa autoestima, a fantasia de ser especial, necessidade de ser admirado, arrogância, falta de empatia, desvalorização e exploração do outro. Segundo a palestrante, as causas do transtorno podem ser genéticas, ambientais e reflexo de experiências vividas, abusos e traumas.
Ao abrir a “caixinhas de ferramentas do narcisista”, a mentora falou sobre as técnicas de manipulação narcisistas como o já citado tratamento de silêncio, a oposição sistemática (mescla de palavras para confundir a vítima sobre seu posicionamento, fazendo com que se sinta desvalorizada), transferência de culpa (culpa a vítima por coisas que ele faz, fazendo com que perca a percepção da realidade e se sinta humilhada), morde e assopra (elogia para criticar na sequência) e fita métrica ilimitada (por mais que a vítima faça, ela nunca estará no nível de excelência exigido, sentindo-se incapaz e insuficiente).
Por fim, a palestrante abordou as fases do relacionamento tóxico e os sinais de abertas a serem observados para a identificação da vítima de um narcisista, como: ser acusada de agressão quando se defende; ter tratamento público diferente do privado; ficar em constante estado de defesa, medo e ansiedade; ter a sanidade mental colocada em dúvida; e ter datas comemorativas estragadas.
As promotoras de Justiça Gileade Pereira Souza Maia, coordenadora-adjunta do CAO Estudos de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e Gênero Feminino, e Elisamara Sigles Vodonós Portela, coordenadora administrativa do Núcleo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, atuaram como debatedoras. Elas agradeceram pelo conteúdo da capacitação e traçaram um paralelo com as situações vivenciadas na atuação do MPMT nos processos de violência doméstica.
“Eventos como esse servem para nos lembrar que, embora não deixem marcas visíveis, há violências que marcam a alma e são capazes de destruir uma mulher, desequilibrando-a ao ponto de fazê-la avançar no homem, atirar objetos e até agredir. E reforçar a importância do Sistema de Justiça participar de debates dessa natureza, para evitar a revitimização que passa pela falta de empatia no atendimento e de paciência ao ouvir essa mulher”, consignou Gileade Maia.
“A impressão que temos é de que os agressores narcisistas estão sempre se dando bem porque a Justiça muitas vezes não tem meios de pegá-los. E, talvez, a sensação dessas vítimas seja de impotência quando se retratam. Mas nós temos que dizer a elas que as portas do Sistema de Justiça continuam abertas para quando despertarem e se perceberem vítimas de relacionamentos abusivos. Não podemos julgar aquelas que minimizam na instrução do processo, deixem a portas abertas e mostrem que estamos à disposição”, conclamou Elisamara Portela.
A capacitação foi realizada de maneira híbrida, presencial na sede do MPMT, com transmissão ao vivo pela plataforma Microsoft Teams, reunindo membros e servidores do Ministério Público, Poder Judiciário, Assembleia Legislativa, Polícias Civil e Militar, entre outras instituições integrantes do Sistema de Justiça. Os participantes receberão certificado.
Por: Ana Luiza Anache- MPMT/ Foto: Assessoria