Aves do mangue: Caráter não está tatuado na testa das pessoas ou nas asas dos pássaros

Aves do mangue: Caráter não está tatuado na testa das pessoas ou nas asas dos pássaros

Recentemente, um amigo chamou-me a atenção para algumas espécies de aves do mangue. Portadoras de bela plumagem, dispõem de pernas compridas e finas, cujos dedos cobrem uma área ampla. Com isso, ao buscar alimentos, podem pousar no lodo e com seus longos bicos capturar os peixes de que necessitam. Uma vez saciadas, podem facilmente alçar voo sem ostentar uma mancha sequer nas suas penas.

A imagem inspira uma dupla metáfora em relação aos agentes públicos, à corrupção e à impunidade.

De um lado, pode se imaginar naquele pássaro um servidor público impoluto que, mesmo na contingência de conviver em um lodaçal, consegue preservar a sua integridade. Cumpre o seu papel e sobrevive, sem se enlamear.

De outro, vislumbra-se a dissimulação de um corrupto astuto, que consegue roubar sem deixar rastros visíveis a olho nu. Na sua roupagem externa, não há traços que indiquem a origem de sua fartura. Até mesmo, ensaia proferir discursos em defesa da moral e dos bons costumes, da transparência e da ética.

Na minha carreira, pude conhecer esses dois espécimes e admito que às vezes me confundi.  Afinal,  o caráter não está tatuado na testa das pessoas ou nas asas dos pássaros.

Uma pessoa íntegra pode ser também introvertida e, por isto, considerada antipática. Com frequência, carrega cicatrizes dos muitos confrontos em que precisou dizer não e obstar propostas ou decisões indecorosas.

Já o ladravaz esbanja simpatia, especialmente quando exposto à visibilidade pública. Mesmo flagrado em contradições e escândalos, consegue ser sedutor e convincente. Sua falta de escrúpulos o auxilia, pois não impõe limites à impostura e faz de sua vida um tributo à hipocrisia e à ganância. É capaz de ser brutal com um sorriso nos lábios. É mais impiedoso e cruel assinando pareceres e decisões do que se estivesse apertando gatilhos, mas sempre deixa entrever nas redes sociais uma suposta lágrima de compaixão…

A vida real que presenciamos não transcorre como no cinema ou nas novelas. Nela, muitas vezes há heróis anônimos que são feios, apanham e sofrem, mas não alugam seus princípios e convicções, enquanto há vilões-galãs que enricam, ascendem profissionalmente e recebem reverências e comendas, civis, militares e eclesiásticas.

Porém – ai porém, como no samba de Paulinho da Viola – não se iludam com triunfos passageiros. Um dia, creio – ainda que possa demorar – a conta chegará a cada um, máscaras irão cair e haverá choro e ranger de dentes, mas finalmente justiça.

E você? Em que pensa ao contemplar a revoada das aves de um mangue?

Luiz Henrique Lima é conselheiro certificado e professor.

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