PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE: ‘Lei das saidinhas’ não retroage para crime cometido antes de sua vigência

PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE: ‘Lei das saidinhas’ não retroage para crime cometido antes de sua vigência

Leis mais gravosas não podem ser aplicadas retroativamente, salvo em benefício do acusado. Além disso, a legislação sobre execução penal atende aos direitos fundamentais do sentenciado, estando a individualização da pena entre os seus direitos fundamentais.

O entendimento é do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, que restabeleceu o benefício de saída temporária, popularmente conhecido como “saidinha”, dado a um homem condenado por roubo.

Segundo a decisão, o autor do pedido foi condenado por crime cometido em 2020 e teve a saída temporária autorizada em outubro de 2023. Também foi permitido o desempenho de trabalho externo.

No entanto, após a aprovação da Lei 14.843/2024, que recebeu o apelido de “lei das saidinhas”, os benefícios foram recusados, sobre o argumento que a nova norma, em vigência desde abril deste ano, barra a saída de condenados pela prática de crimes com o emprego de violência ou grave ameaça.

Segundo o ministro, no entanto, o acusado foi condenado por crime cometido em 2020, quando estava em vigência a Lei 13.964, de 2019, que só vedava saidinhas para pessoas condenadas por crime hediondo, com resultado morte. A previsão foi mantida na nova lei, mas foram adicionados também os crimes com violência ou grave ameaça.

Não pode retroagir

Segundo Mendonça, a norma de 2024 não poderia retroagir contra o condenado, apenas em benefício dele, segundo o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.

“O Direito Penal orienta-se pelos princípios fundamentais da legalidade e da anterioridade, segundo os quais não há crime nem pena sem prévia cominação legal, ou seja, em regra a norma penal deve ser anterior, não retroagindo a fatos pretéritos, salvo se benéfica ao acusado”, disse o ministro na decisão.

“Quanto à individualização executória, o instituto da saída temporária, com a redação promovida pela Lei 13.965, de 2019, era obstada apenas àqueles condenados por crime hediondo com resultado morte”, prossegue Mendonça.

Assim, concluiu o ministro, tendo em vista o princípio da individualização da pena, que também se estende à fase executória, só pode ser aplicada ao caso a norma vigente na época em que foi praticado o crime.

“Assim, entendo pela impossibilidade de retroação da Lei nº 14.836, de 2024, no que toca à limitação aos institutos da saída temporária e trabalho externo. Impõe-se, nesse caso, a manutenção dos benefícios usufruídos pelo paciente.”

Decisões retroagem lei

Como mostrou a ConJur em reportagem especial publicada no começo de maio, há uma série de decisões retroagindo a lei das saidinhas para rejeitar progressões de regime. Nos casos listados, no entanto, a justificativa para barrar o benefício é a exigência, imposta na nova norma de 2024, ao exame criminológico.

A obrigação, que havia sido extinta em 2003 e agora está de volta, causa controvérsia. Criminalistas consideram que ele é inviável e tende a barrar a progressão, uma vez que o Estado não tem condições de promover os exames para todos os presos que têm direito ao benefício.

No Tribunal de Justiça de São Paulo há decisões conflitantes sobre o tema, com diferentes marcos temporais utilizados para manter ou derrubar a progressão de regime. Algumas consideram que a lei retroage para pedidos de progressão feitos depois da nova lei. Outras, que retroage mesmo quando até o pedido de progressão é posterior em relação à lei.

A 7ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP, por exemplo, aplicou a nova lei ao dar provimento a um recurso interposto pelo MP em março — antes, portanto, da vigência da norma, que é de 11 de abril. O MP pediu a anulação de uma progressão de regime sem exame criminológico concedida em primeira instância.

No acórdão, a fundamentação é toda baseada na lei deste ano. “Com o advento da Lei nº 14.843/24, a realização de exame criminológico que antes era facultativa e demandava justificativa no caso concreto passou a ser obrigatória”, sustentou o desembargador Mens de Mello, relator do caso.

“Em se tratando de norma processual, vige o princípio tempus regit actum, ou seja, aplica-se de imediato aos feitos em andamento”, prosseguiu o desembargador ao votar pela derrubada da progressão de regime solicitada pelo preso (clique aqui para ler o acórdão).

STJ

A discussão chegou ao Superior Tribunal de Justiça, onde também há entendimentos divergentes sobre o tema. Em 23 de abril, a ministra Daniela Teixeira concedeu, de ofício, ordem em Habeas Corpus para autorizar uma progressão de regime sem exame mesmo com a nova lei já em vigência.

“Apesar da recente Lei 14.843/24 ter incluído o §1º ao art. 112 da Lei de Execução Penal (…), ela só entrou em vigor em 11 de abril de 2024 e o pedido formulado pelo paciente foi em 17 de janeiro de 2024. Portanto, a nova lei, mais grave, não pode retroagir para prejudicá-lo”, escreveu a ministra (clique aqui para ler a decisão).

O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, por sua vez, entendeu de maneira diferente no julgamento de outro caso. “Não há como se desconsiderar a recente alteração legislativa promovida pela Lei 14.843/2024, que dentre as modificações promovidas na Lei de Execução Penal, passou a considerar obrigatória a realização do exame criminológico para aferir o direito do executado à progressão de regime” (clique aqui para ler a decisão).

“A decisão de 1º grau aqui atacada data de 23/04/2024, quando já havia entrado em vigor a Lei n. 14.843/2024, e é plausível supor que, mesmo não tendo feito alusão expressa à nova norma legal, tenha sido esse o mote que levou o Juízo de Execução a reiterar a necessidade do exame, tanto mais quando se sabe que todas as leis são dotadas de presunção de constitucionalidade.”

Clique aqui para ler a decisão de Mendonça
HC 240.770

Fonte: Conjur/ Foto: Carlos Moura-STF

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