FREIO NECESSÁRIO: Decisão do STJ que preservou sigilo de advogado amarra ponta solta de delação

FREIO NECESSÁRIO: Decisão do STJ que preservou sigilo de advogado amarra ponta solta de delação

Essa foi a opinião da maioria dos especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o tema. O entendimento que veta esse tipo de delação foi formado em 22 de maio pela 6ª Turma do STJ ao anular  a delação de um advogado, bem como as provas e as denúncias dela decorrentes, em ação penal contra uma empresa de transportes coletivos para a qual ele trabalhava.

Prevaleceu o voto do relator da matéria, ministro Sebastião Reis Junior, que sustentou que o advogado não poderia ter quebrado o seu sigilo profissional para fechar acordo de delação premiada em seu benefício.

Segundo ele, o sigilo profissional não pode ser violado nem mesmo quando o advogado é investigado, e a prática estaria vedada pelo Código de Ética da Advocacia.

O ministro Rogerio Schietti Cruz apresentou voto divergente, mas acabou vencido. Segundo ele, é preciso diferenciar a conduta do advogado delator em dois momentos: o primeiro abrange o período entre sua contratação e os fatos descritos na acusação, no qual não há notícia de atuação antiética ou delituosa; e o segundo abrange o período descrito na denúncia, no qual teria havido sua incorporação à organização criminosa.

Ponta solta

Desde que foi implementada pela  Lei 12.850/2013, a delação premiada tem sido alvo de controvérsia — fomentada em grande parte pelos abusos da “lava jato” — e tem sido aperfeiçoada nos últimos anos.

As maiores mudanças legislativas em relação ao instituto ocorreram com a edição da Lei Anticrime (Lei 13.964/2019), que limitou a concessão de benefícios nesses acordos e reafirmou a posição do STF em relação ao direito do delatado de apresentar as alegações finais por último.

O STJ também construiu rica jurisprudência sobre o tema. A corte decidiu sobre a discricionariedade do órgão julgador na redução da pena diante da colaboração (REsp 1.728.847), o veto a possibilidade do magistrado emitir juízo de valor ao rejeitar o acordo ( HC 354.800), a impossibilidade de pessoa jurídica fechar acordo de delação (RHC 154.979) e sobre a influência do acordo na decretação de prisão preventiva (HC 396.658).

Na opinião do criminalista Fernando Fernandes, a decisão do STJ sobre os advogados segue a mesma linha. “Essa possibilidade de delação corrompe um pilar basilar da advocacia e do ideal que temos de Justiça. Uma colaboração premiada não pode ser realizada com o rompimento do segredo profissional do advogado para se salvar de determinadas ilegalidades que eventualmente tenha cometido, porque teríamos aí dois desvios”, afirmou.

O advogado e o parecerista Lenio Streck tem entendimento parecido. “O STJ fez uma análise correta sobre o valor do sigilo profissional. Se o advogado é réu, não pode usar a seu favor o que sabe sobre os clientes e, com isso, beneficiar-se. Seria uma espécie de venire contra factum proprium do direito penal, isto é, estaria o advogado beneficiando-se de algo com a qual contribuiu. Decisão meticulosa e que  prestigia o sigilo do causídico”, explicou.

Princípio absoluto

O advogado Welington Arruda, por sua vez, exalta o voto do ministro Sebastião Reis que, segundo ele, prestigiou o papel do advogado no sistema de Justiça e lembrou que o sigilo só pode ser quebrado em situações excepcionais, como ameaça à vida ou à honra, o que não se aplicava ao caso concreto da questão. “Além disso, a decisão garantiu a inadmissibilidade das provas obtidas em violação ao sigilo profissional e manteve a coerência com os precedentes do STF e do STJ, que reforçam a inviolabilidade deste sigilo”, defendeu.

Já o advogado e professor de Processo Penal do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Luís Henrique Machado, lembra que a Lei 14.365/22, a qual adicionou o § 6º-I ao artigo 7º do Estatuto da Advocacia, vedou aos advogados entabular acordos de colaboração premiada contra quem seja ou tenha sido seu cliente. “O descumprimento dessa regra implica, inclusive, em processo disciplinar previsto no artigo 35º do Estatuto da Advocacia e em pena prevista no Código Penal”.

Por fim, o advogado e professor Aury Lopes Jr. lembra que preservar o sigilo profissional não equivale a blindar o advogado, mas sim garantir o direito de ampla defesa. “O que o STJ debateu é a validade da delação premiada feita pelo advogado, considerando que está delatando o cliente e violando o sigilo profissional e a relação de confiança que se estabelece”, esclareceu.

 

Fonte: Conjur/Foto: reprodução

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