UMA EXCEÇÃO CONTROVERSA: Tribunais podem afastar presunção do estupro de vulnerável, confirma STJ

UMA EXCEÇÃO CONTROVERSA: Tribunais podem afastar presunção do estupro de vulnerável, confirma STJ

Juízes e tribunais brasileiros podem, a partir das peculiaridades do caso concreto, afastar a presunção do crime de estupro de vulnerável, mesmo que a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos seja incontroversa.

Gustavo Lima/STJ
3ª Seção STJ 2023

3ª Seção do STJ manteve absolvição da imputação de estupro de vulnerável ao aplicar a Súmula 7 da corte

Essa conclusão é da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou a condenação de um homem que, aos 22 anos, manteve relacionamento amoroso com uma menina de 13.

Ele foi absolvido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina mediante a aplicação da técnica de distinção (distinguishing) em relação a uma tese vinculante do STJ.

3ª Seção da corte superior decidiu em 2015 que a conjunção carnal ou a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos caracteriza o crime de estupro de vulnerável previsto no artigo 217-A do Código Penal.

Assim, o consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e ela não afastam a ocorrência do crime. Essa posição gerou a Súmula 593 do STJ.

O TJ-SC, porém, decidiu que essa tese não se aplica ao caso concreto porque a responsabilidade decorre unicamente do fator etário: vítima e ofensor tiveram relacionamento aprovado pelos pais da menina, sem violência.

Por maioria de votos, a 3ª Seção decidiu que rever a conclusão do TJ-SC demandaria reexame de fatos e provas, medida vedada no STJ pela Súmula 7.

Mais do que isso, a maioria do colegiado rejeitou a proposta de parte dos ministros, que abriram divergência para defender que as peculiaridades dos casos concretos nunca devem ser capazes de afastar a ocorrência do crime.

Jurisprudência do estupro de vulnerável

Os distinguishings das turmas criminais do STJ em casos de estupro de vulnerável têm causado reiterados debates em tempos recentes.

Isso porque, na prática, os colegiados volta e meia passam por cima da própria tese vinculante, embora em número percentualmente ínfimo. Isso ocorre quando os elementos do caso concreto mostram que a condenação não seria recomendável.

Por outro lado, há casos em que mesmo a constituição de família entre vítima e réu é insuficiente para a absolvição. Mais do que isso: pode ser até fator a reforçar o crime, pela sexualização precoce da menor de idade.

Essa inconstância foi o que levou a 6ª Turma a afetar o caso vindo do TJ-SC para julgamento na 3ª Seção.

A maioria acompanhou o voto do relator, ministro Sebastião Reis Júnior. Votaram com ele os ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik, além dos desembargadores convocados Otávio de Almeida Toledo e Carlos Cini Marchionatti.

Com menor de 14 é estupro

Abriu a divergência o ministro Rogério Schietti, em voto-vista lido nesta quinta-feira (3/4). Ele propôs a condenação do réu e a reafirmação do precedente vinculante do STJ e da Súmula 593.

Em sua análise, as distinções em tais casos repristinam uma antiga jurisprudência que delegava aos juízes a avaliação subjetiva, oscilante e conjuntural sobre a vulnerabilidade da vítima, sem qualquer apoio em dados científicos ou documentais.

Essa postura era geradora de insegurança porque permitia todo tipo de argumentação para levar à conclusão de que a vítima, menor de 14 anos, não era exatamente vulnerável em termos de atos libidinosos ou sexuais.

O voto-vista trouxe indagações. Qual seria a solução se a vítima no caso concreto, em vez de 13, tivesse dez anos? Ainda assim se justificaria a absolvição pelo fato de ter havido relação amorosa com o réu? E o que é relação amorosa? A repetição de conjunções carnais convola o ato inicial ilícito em comportamento atípico?

“Não se deve atribuir ao juiz essa liberdade de aferição de punição ou não a quem mantém relações sexuais com uma menina antes dos 14 anos. A reposta já foi dada pelo legislador quando estabeleceu limite para livre discernimento”, disse o ministro Schietti.

Ele foi acompanhado pelos ministros Messod Azulay e Og Fernandes,

Quais especificidades

O voto divergente ainda propôs que, caso o distinguishing do TJ-SC fosse referendado, o STJ ao menos avançasse para estabelecer a distinção específica ou as peculiaridades do caso concreto que justificariam a não punição.

“Estamos violando o precedente, a súmula e o repetitivo. Seria preciso estabelecer em quais situações concretas uma corte de precedentes como STJ, que tem como objetivo manter a inteireza da lei federal, poderia deixar de fazer incidir o precedente”, levantou Schietti.

O voto do ministro Og Fernandes ainda avançou para propor que o caso fosse enviado para a Corte Especial, o único órgão do STJ que pode fazer o controle difuso de constitucionalidade e decidir que o artigo 217-A do Código Penal é inconstitucional em determinados momentos.

Os ministros que formaram a maioria, no entanto, destacaram que o procedimento da distinção é próprio do sistema de precedentes. E disseram que ninguém discorda dos argumentos que embasaram o voto do ministro Schietti.

“A distinção realizada pelo tribunal de origem não viola a legislação, nem infirma a jurisprudência da corte. A exceção registrada apenas confirma a regra, possibilitando a realização da justiça no caso concreto”, destacou o ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

REsp 2.045.280

 

Fonte: Conjur / Foto: reprodução

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