O lançamento, pela Justiça do Trabalho, dos novos Protocolos de Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória Interseccional e Inclusiva visa promover a equidade. A iniciativa baseada na teoria do direito antidiscriminatório busca enfrentar desigualdades estruturais que permeiam as relações de trabalho no Brasil.
Em entrevista ao Migalhas, a juíza auxiliar da Presidência do CSJT – Conselho Superior da Justiça do Trabalho, Patrícia Maeda, que participou da elaboração dos protocolos, explicou como o seu uso deve ser feito por magistrados, advocacia e população.
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Justiça do Trabalho cria protocolos para julgamentos antidiscriminatórios
Novas lentes
Um dos pilares dos novos protocolos é a reavaliação do conceito tradicional de neutralidade na Justiça. Segundo Patrícia Maeda o sujeito neutro universal, historicamente concebido como homem branco, cisgênero, heterossexual, adulto, urbano, sem deficiência e não pobre, não reflete a diversidade da sociedade brasileira.
Para a magistrada, a concepção tradicional tende a ignorar as vulnerabilidades de grupos historicamente marginalizados, perpetuando desigualdades.
Os protocolos propõem que juízes e operadores do direito considerem as diferenças sem reforçar estereótipos ou assimetrias de poder.
Patrícia enfatiza que a imparcialidade, conforme os Princípios de Bangalore, não deve significar a negação das diferenças, mas o respeito e a consideração delas.
Ao reconhecer que o direito foi estruturado a partir de um perfil específico, é necessário expandir os limites legais para alcançar efetivamente todos os indivíduos, independentemente de seus marcadores identitários.
Desigualdades no ambiente de trabalho
Segundo Patrícia, a Justiça do Trabalho reconhece que as desigualdades sociais são exacerbadas nas relações laborais.
Questões de gênero, raça, deficiência, entre outras, têm impacto significativo na vida dos trabalhadores, especialmente quando essas desigualdades se manifestam no ambiente de trabalho.
A magistrada ressalta que o protocolo foi desenvolvido para ser acessível e compreensível não apenas para magistrados, mas também para advogados, estudantes de direito e, sobretudo, para os próprios trabalhadores.
A linguagem simples utilizada no documento visa garantir que todos possam entender e aplicar essas diretrizes em suas práticas cotidianas.
“Que não seja aquele negociado totalmente desconexo. Nessa perspectiva antidiscriminatória, a gente poderia, inclusive, colocar a questão de classe. Porque a gente considera isso também, que a gente tem que dialogar com as pessoas que trabalham.”
Assista à entrevista completa:
Protocolos na prática judicial
Na prática, segundo a juíza, os protocolos oferecem um passo a passo para que juízes e magistrados conduzam processos livres de opressões.
A primeira etapa é identificar possíveis vulnerabilidades, considerando marcadores como gênero, raça, orientação sexual, deficiência e idade.
Em seguida, o protocolo orienta os magistrados a conduzirem o processo de maneira a minimizar as opressões, desde a leitura e interpretação das petições até a condução das audiências e a prolação da sentença.
Além disso, incentivam o uso de tratados internacionais de direitos humanos específicos para cada marcador identificado, como a Convenção dos Direitos da Criança ou a Convenção para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher.
Isso garante que as decisões judiciais sejam mais justas e inclusivas, atendendo às necessidades de grupos historicamente marginalizados.
“O primeiro passo é contar até seis. E o contar até seis significa o seguinte. Ver a questão da cis ou transgeneridade. Ver o gênero. Ver a raça ou etnia. Ver a questão da orientação sexual. Ver a questão se é uma pessoa com deficiência ou se é uma pessoa idosa. Então, todos esses eixos que a gente trabalha aqui no protocolo estão dentro desse método de identificar a vulnerabilidade. Mas eu acho que depois que a gente fica treinado, bem treinado com isso, a gente consegue também enxergar outras que talvez ainda nem estejam aqui no protocolo.”
Força normativa
Embora os protocolos não sejam vinculantes, Patrícia argumenta que eles são moral e eticamente relevantes para a prática judicial.
Inspirados no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ, que se tornou obrigatório para o sistema de Justiça brasileiro, os novos protocolos da Justiça do Trabalho ainda não possuem força de lei, mas representam um avanço significativo no amadurecimento do debate sobre equidade e justiça.
Esses documentos não são meras sugestões; são compilações de decisões internacionais de direitos humanos, tratados, leis e artigos constitucionais que já estão em vigor.
A adoção dos protocolos, portanto, não é apenas uma questão de bom senso, mas uma prática informada por um robusto embasamento teórico e normativo.
“Não é obrigatório, não é mandatório. Mas já diriam os memes…É de bom-tom. […]Não são ideias que surgiram da cabeça do grupo de trabalho. Isso [os protocolos] é pautado em muito estudo acadêmico: teoria crítica racial, estudos de gênero, o próprio Direito do Trabalho, o Direito do Trabalho crítico. E esses instrumentos de direitos humanos. Então, eu acho que o que a gente tenta fazer, e foi esse o esforço, é juntar todo esse saber, todo esse normativo, tudo isso, e deixar de uma forma mais palatável, mais fácil.”
Os novos Protocolos de Atuação e Julgamento da Justiça do Trabalho representam um marco na luta contra a discriminação e a promoção de um ambiente laboral mais justo e inclusivo.
Eles desafiam a visão tradicional de neutralidade e incentivam uma prática judicial que reconheça e respeite as diferenças, sem reforçar desigualdades.
Embora não sejam obrigatórios, a adoção desses protocolos reflete um compromisso ético com a promoção dos direitos humanos e a equidade nas relações de trabalho, sinalizando um novo caminho para a Justiça do Trabalho no Brasil.
link: https://www.migalhas.com.br/quentes/413994/juiza-explica-novos-protocolos-em-julgamentos-na-justica-do-trabalho
Redação JA / Foto: reprodução