O Plenário do Supremo Tribunal Federal começou a discutir nesta sexta-feira (16/8), em julgamento de repercussão geral, se o governo federal extrapolou seus poderes e invadiu a autonomia dos demais entes federados ao estabelecer sanções pelo descumprimento de regras gerais para organização e funcionamento dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPSs) dos servidores públicos.
O término da sessão virtual está previsto para a próxima sexta-feira (23/8). Até o momento, quatro ministros já votaram. Três magistrados consideraram que as sanções são inconstitucionais, mas um deles validou as regras contestadas.
Contexto
A Lei 9.717/1998 deu à União competência para orientar, supervisionar e acompanhar os RPPSs não só dos servidores públicos e militares federais, mas também dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Já o Decreto 3.788/2001 criou o Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) — um documento que atesta o cumprimento de todos os critérios e exigências estabelecidos na lei de 1998 pelos RPPSs desses entes.
Sem o CRP, o estado ou município não pode receber da União repasses financeiros de transferências voluntárias e subvenções, nem empréstimos, financiamentos e avais de instituições financeiras federais. O ente também fica proibido de firmar acordos, contratos, convênios ou ajustes.
No caso concreto, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região afastou a exigência do CRP ao governo de Pernambuco e proibiu o governo federal de aplicar qualquer sanção pelo descumprimento das normas.
Ao STF, a União alegou ter competência constitucional para estabelecer parâmetros, diretrizes, orientações e acompanhamento dos regimes próprios dos entes federativos, por meio de normas gerais.
Voto do relator
O ministro Edson Fachin, relator do caso, considerou inconstitucionais quaisquer sanções a entes federados que não cumpram as regras gerais para organização e funcionamento dos RPPSs dos servidores públicos, previstas na lei de 1998 e no decreto de 2001. Até o momento, ele foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia
Para o relator, a lei e o decreto extravasaram a competência estabelecida pela Constituição, pois trouxeram regras que não se limitam à regulamentação geral do tema.
Na sua visão, as regras em questão criaram deveres específicos que invadiram a autonomia dos entes federativos para gerirem seus RPPSs, também garantida pela Constituição.
“O estabelecimento, pelo ente central, de regras gerais para a organização e o funcionamento dos RPPSs dos servidores públicos não pode tolher a autonomia gerencial dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, tampouco se espraiar para as demais áreas da governança administrativa, com potencial de afetação direta nas políticas públicas dos demais entes”, assinalou o relator.
Fachin admitiu que o CRP tem um papel importante para garantir “segurança e solidez” aos RPPSs, mas ressaltou que a vinculação desse documento a transferências voluntárias de recursos da União, empréstimos, acordos e outros fatores “fora do âmbito previdenciário” gera um “desvio de finalidade da norma geral”.
Divergência
Ao analisar as regras contestadas pela União, o ministro Flávio Dino não viu qualquer violação à autonomia ou à competência suplementar dos demais entes federados.
O magistrado explicou, por exemplo, que a lei de 1998 proíbe a União de repassar apenas recursos voluntários aos estados e municípios que descumprirem suas regras.
“O óbice legal se dirige, se não exclusivamente, ao menos em primeiro plano, ao ente central, detentor dos recursos financeiros”, indicou ele. Ou seja, as restrições são dirigidas ao governo federal e não atingem direitos das unidades federativas.
Quanto ao dever de orientação, supervisão, fiscalização, acompanhamento e estabelecimento de parâmetros sobre responsabilidade previdenciária, Dino considerou que se trata de “categoria normativa geral, editada nos estritos limites da competência concorrente conferida à União” pela Constituição.
“Não se pode negar, em matéria de Previdência Social dos servidores públicos, o relevante papel de fiscalização de que o texto constitucional investiu a União, incumbência que se mostra inviável de ser realizada a contento sem que lhe sejam assegurados instrumentos legais e efetivos de controle”, concluiu o ministro.
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RE 1.007.271
Fonte: Conjur/ Foto: reprodução