ATOS REMOTOS: Sessões virtuais do Judiciário aprofundam violação do direito de defesa, diz estudo

ATOS REMOTOS: Sessões virtuais do Judiciário aprofundam violação do direito de defesa, diz estudo

O avanço das sessões virtuais no Judiciário, impulsionado pela pandemia e pelas promessas de celeridade processual e redução de custos, tem, na verdade, aprofundado a violação do direito de defesa entre as pessoas mais vulneráveis. O que se vê é uma maior distância do acesso à Justiça com o uso da tecnologia, que esbarrou em um cenário em que falta regulamentação, uniformidade entre as comarcas e escuta da sociedade civil, além de inclusão digital.

O entendimento é do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), conforme descreve no estudo recém-lançado “Justiça à Distância: Os Desafios do Acesso à Justiça Criminal no Ambiente Virtual no Brasil”.

“A virtualização de atos processuais tem funcionado como mais uma engrenagem opressora do sistema de Justiça, que afeta especialmente a população negra e pobre”, escreve a entidade, que diz não se opor indiscriminadamente à adoção dos atos remotos, desde que permitam, de fato, ampliar os direitos da população brasileira.

O relatório parte de um levantamento feito pelo IDDD via Lei de Acesso à Informação junto às 27 Defensorias Públicas estaduais, sobre casos em que elas atuaram em capitais no mês de novembro de 2023. Houve resposta de 22 delas.

No período, houve audiência de custódia tanto no formato presencial quanto no virtual em nove das capitais sobre as quais o estudo obteve informações (40,9%). No entanto, só houve garantia de que duas delas dispõem de câmera com visão de 360º, equipamento que permite visualizar as condições em que se encontra a pessoa custodiada.

Além disso, em cinco capitais, houve relato de que as audiências virtuais ocorreram não em uma sede judicial, mas em unidades prisionais ou em sedes da Polícia Civil. O IDDD também questionou as Defensorias se, nas audiências de custódia virtuais, a pessoa pôde depor desacompanhada de agentes estatais. Só quatro delas garantiram isso.

Para o instituto, o cenário “traz preocupações no que diz respeito à segurança para a pessoa custodiada relatar, livremente, sua versão dos fatos, especialmente no que diz respeito a relatos de tortura e/ou maus-tratos”.

Instrução e julgamento

Já sobre audiências de instrução e julgamento, o estudo mostra que, em 90,9% das capitais sobre as quais houve retorno via LAI (20 delas), o Judiciário adotou os modelos presencial e virtual.

Nessas ocasiões, em 68,2% das comarcas, a pessoa acusada não teve preservado o direito de depor virtualmente sem a presença de agentes estatais no mesmo ambiente. Além disso, em 19 delas, houve a tomada do depoimento de testemunhas de modo virtual, o que, para o IDDD, coloca os relatos em xeque e ilustra uma falta de uniformidade.

“A tomada presencial dos depoimentos de testemunhas se justifica pela garantia de incomunicabilidade entre elas, elemento fundamental para evitar que o depoimento de uma pessoa contamine o da outra, assegurando a confiabilidade deste meio de prova (artigo 210 do Código de Processo Penal)”, escreve o instituto.

Ainda nas audiências de instrução e julgamento, o uso da tecnologia tem prejudicado o contato da pessoa acusada com a defesa. “Em 22,7% das capitais, o atendimento prévio à AIJ virtual com sua defesa não foi uma garantia para todas as pessoas acusadas; em 36,4%, o atendimento posterior também não foi; em 31,8%, não foi garantida a presença da defesa na mesma sala em que estava a pessoa acusada; e, em 45,5%, as pessoas acusadas não tiveram garantido um canal direto e privado para falar com sua defesa durante a audiência virtual”, diz o IDDD.

Tribunal do Júri

O estudo também traz dados sobre a adoção do modelo remoto em sessões do Tribunal do Júri, o que ocorreu em, ao menos, quatro capitais em novembro do ano passado. Para o IDDD, o formato presencial é essencial nessas ocasiões.

“A plenária constitui o momento central e mais determinante de todo o processo, representando a oportunidade em que os jurados e juradas formam suas convicções e determinam o futuro da pessoa acusada”, argumenta.

O estudo cita ainda que, em 20 das 22 capitais sobre as quais foram colhidas informações, a Defensoria Pública tem feito atendimentos também de modo virtual. O IDDD pondera, no entanto, que, ao menos, a virtualização não se perpetuou como única via de acesso, “decisão que deve servir de espelho aos demais setores do sistema de Justiça”.

Fonte : Conjur/ Foto: reprodução

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