A 1ª turma do STF reconheceu a possibilidade de guarda municipal fazer busca pessoal e domiciliar em caso de flagrante delito. O colegiado, seguindo o voto do relator, Alexandre de Moraes, cassou decisão do STJ e chancelou flagrante feito por guardas em caso envolvendo tráfico de drogas, julgando lícitas as provas produzidas.
No caso analisado, os guardas municipais realizavam patrulhamento de rotina quando avistaram o investigado, que, ao perceber a presença dos agentes de segurança, demonstrou nervosismo e dispensou sacola que continua drogas porcionadas.
Os guardas não localizaram drogas em poder do réu, mas, após ele confessar que tinha mais drogas em casa, os guardas se dirigiram até a casa dele, onde foram encontrados 558 papelotes de maconha, 2 porções de skunk, 930 porções de cocaína, 464 porções de crack e 41 frascos contendo 369 mililitros de tricloroetileno (thinner).
A prisão em flagrante foi convertida em preventiva pela vara de Embu-Guaçu/SP. A defesa apresentou HC no TJ/SP sustentando que a abordagem da guarda foi ilegal, mas não teve sucesso. No entanto, a 5ª turma do STJ acolheu recurso e determinou o trancamento do processo. O MP/SP recorreu ao STF.
Em monocrática, ministro Moraes, acolheu o recurso do MP e cassou o acórdão do STJ. Em agravo regimental, a defesa alegava que os guardas metropolitanos não têm entre suas atribuições fazer prisões e buscas e não presenciaram venda ou entrega de drogas nem viram seu cliente escondendo ou consumindo os entorpecentes. Também argumentaram que não havia prova de que ele tivesse consentido com a entrada dos agentes em sua casa.
Seguindo Moraes, 1ª turma do STF valida busca pessoal feita pela guarda municipal em flagrante.(Imagem: Gustavo Moreno/SCO/STF)
O caso começou a ser julgado no STF em sessão virtual no dia 23/2/24, quando o relator, ministro Alexandre de Moraes, votou pela validade da conduta da guarda municipal e das provas obtidas.
Ele lembrou que, em 2023, o STF, ao julgar a ADPF 995, incluiu as guardas municipais entre os órgãos de segurança pública. Ele também destacou que a conduta da guarda municipal no caso analisado não envolveu diligência ostensiva ou investigativa, mas sim caso de flagrante delito e sequência de flagrante permanente, sendo, portanto, válida.
O relator foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino.
Na sessão desta terça-feira, 3, ministro Cristiano Zanin apresentou voto-vista divergente, entendendo pela ilegalidade da conduta da guarda ao realizar busca pessoal e residencial. O ministro, por sua vez, ficou vencido.
Veja trecho da manifestação do relator:
Voto do relator
Ao manifestar-se, Moraes apontou que o SUSP – Sistema Único de Segurança Pública, que foi criado em 2018, trouxe para dentro do sistema de segurança as guardas civis metropolitanas ou municipais. “Hoje, para se ter uma ideia, temos aproximadamente 550 mil homens nas guardas civis do Brasil todo. É um contingente que não pode ser desprezado para fins de segurança, ainda mais na atual situação de insegurança pública em que vivemos.”
O ministro reconheceu que cada ente de segurança tem suas atribuições, mas, para ele, os fatos narrados não são de diligência nem de investigação, porque senão sequer a Polícia Militar poderia realizar.
“Condutas como essa do guarda civil no flagrante, busca pessoal em virtude de características clássicas de flagrante delito e a sequência do flagrante permanente dentro de uma casa ou estabelecimento, isso não configura diligência ostensiva ou investigativa, sob pena de contaminarmos todas as provas também produzidas pela PM. Porque a PM também não pode realizar investigação, a investigação é da Polícia Judiciária, e me parece que isso não houve.”
Ele, assim, votou por negar provimento ao agravo interno, no que foi acompanhado por Fux, Cármen e Dino.
Ao reformar decisão do STJ, o ministro ainda fez críticas à Corte Superior: “mesmo com reiteradas decisões nossas, o STJ continua, em alguns casos idênticos, desrespeitando o posicionamento majoritário do STF.”
Leia o voto.
Divergência
Para o ministro Cristiano Zanin, como em um primeiro momento a guarda teria presenciado apenas o descarte de uma sacola, deveria ter chamado a Polícia Militar para dar continuidade aos procedimentos.
O ministro pontuou que, em agosto de 2023, na análise da ADPF 995, também votou pela inclusão das guardas municipais no SUSP, como órgãos de segurança público. Para ele, por sua vez, “isso não significa que as guardas municipais têm o poder irrestrito de policiamento ostensivo e investigativo, que lhes autorizaria a realizar indistintamente atividade exercida, por exemplo, pela PM ou pela Polícia Civil”.
“Entendo que as guardas exercem poder de polícia sui generis, podendo desempenhar atividade de vigilância e realizar determinadas intervenções apenas naquilo que se referir à salvaguarda do patrimônio público do município em face de eventuais perigos.”
Zanin considera que as guardas não têm atribuição para realizar buscas, sejam pessoais ou domiciliares. E destacou que, no caso analisado, em um primeiro momento, a guarda municipal teria apenas presenciado a dispensa da sacola contendo drogas. “Não há descrição de quantidade, nem a droga que teria sido dispensada.”
A partir dessa situação, a guarda promoveu uma diligência que, na visão do ministro, é ilegítima, indo à casa da pessoa, onde encontra grande quantidade de drogas e objetos que indicam traficância. Devia, por sua vez, ter convocado a polícia para tal.
Veja trecho do voto:
Processo: RE 1.468.558
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Fonte: Migalhas/(Imagem: Gustavo Moreno/SCO/STF)