Proposta de reforma aumenta carga sobre construção e dificulta acesso à moradia, aponta setor
O setor da construção civil criticou a aplicação da tributação sobre valor agregado na proposta atual da reforma tributária em tramitação no Congresso. Representantes do segmento ouvidos pela CNN apontaram que, mantido o texto atual, os encargos das atividades do setor poderão dobrar de valor.
“[A indústria da construção] defende uma melhor calibragem das alíquotas previstas na regulamentação da reforma, de forma que ela permita isonomia de tratamento para todos os segmentos do setor”, afirma Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), que reúne 96 entidades do setor.
Em um documento de circulação interna da CBIC, ao qual a CNN teve acesso, um estudo aponta que a carga tributária da habitação pode subir de 23,2% até 103,7% com a atual proposta de regulamentação, que aplica redução de 20% sobre a alíquota padrão conjunta do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviço (CBS), de 27,5%.
O que se aponta é que com essa variação, pode haver um impacto em cascata no setor.
“O retorno diminui, o que diminui o incentivo de empreender. Para ter o retorno adequado, é necessário aumentar o preço do produto, e quem se prejudica é o comprador do imóvel”, avalia o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz França.
“Com o aumento da carga tributária, é impossível continuar operando sem repassar o preço para o consumidor”.
O encarecimento pode levar o consumidor a segurar na hora de investir em um novo imóvel. E com a queda da demanda, o impacto da tributação alta reverbera no trabalhador.
“A proposta atual aumenta brutalmente a carga tributária na habitação, loteamento, intermediação e administração de condomínios. Sendo assim, com aumento dos custos tributários, muitas famílias ficarão sem condições de adquirir sua casa própria, e as empresas terão que reduzir investimentos, com consequente queda no emprego do setor”, explica Ely Wertheim, presidente executivo do Secovi-SP, o sindicato da habitação do estado de São Paulo.
O levantamento apresentado pela CBIC aponta que o valor médio do lote pode passar de R$ 150 mil para R$ 171,3 mil após a reforma. Enquanto isso, o valor médio do aluguel passaria de R$ 3.500 para R$ 3.887.
Desse modo, a CBIC defende que seja aplicado um redutor de 60% da alíquota para o setor.
“Quando se aplica 60% de redução sobre a mesma alíquota, tem-se neutralidade tributária, ou seja, o tributo de hoje ficará igual ao de depois da reforma. Assim, nossa expectativa é encontrar uma solução que não alavanque os preços da construção, especialmente para o segmento da habitação”, afirma Renato Correia.
“Não pedimos nenhum tipo de benefício, mas sim a manutenção da carga atual, que na média é de 8% sobre a receita total, para não impactar os compradores de imóveis em geral. Isso, pois o investimento na construção é essencial para enfrentarmos o déficit habitacional no país”, conclui.
Em 2022, o déficit habitacional do Brasil totalizou 6.215.313 de domicílios, de acordo levantamento da Fundação João Pinheiro (FJP), publicado em maio.
O cálculo é realizado em parceria com a Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, tomando como base dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Necessidade de calibragem
A Constituição Federal de 1988 estabelece a moradia como um dos direitos sociais do brasileiro.
A CBIC defende a calibragem da proposta de tributação para não ser impactado o acesso à moradia.
“A experiência internacional demonstra um tratamento específico ao setor da construção e ao mercado imobiliário porque ele tem características próprias. Há um grande período de maturação de projeto à execução da obra. E o impacto social tanto da habitação como da infraestrutura é significativo”, indaga Correia.
E entre os potenciais impactados estão os beneficiários do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV).
“Com o aumento da tributação, teremos o desenquadramento do programa MCMV porque os imóveis ficarão mais caros, e as famílias não conseguirão comprovar renda para comprar”, aponta Ely Wertheim, do Secovi-SP.
“O programa tem faixas de preço dos imóveis e renda dos compradores. Na medida em que os preços subam por conta da proposta, os imóveis que superem R$ 350 mil ficam fora do programa, ou seja, desenquadrados. Assim como os compradores precisarão ter mais renda do que hoje, e aí também ficam fora do programa, ou seja, também desenquadrados”, explica.
A CBIC afirma que dialoga com o governo federal para buscar contornar a situação, uma vez que “o acesso à habitação em geral pode ser impactado se não houver uma calibragem na tributação”, segundo Correia.