Familiares das vítimas reuniram-se na OABRJ para participar da audiência de leitura da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos
Na tarde desta quarta-feira, dia 4, a OABRJ sediou um momento emblemático para o caso da Chacina de Acari, ocorrida em 1990. Recepcionados pela Comissão de Direito Internacional da Seccional, familiares das vítimas e autoridades participaram da audiência online da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) de notificação de sentença do processo que tramita há 34 anos no Brasil sem solução.
No processo movido pelo grupo Mães de Acari perante a Corte IDH intitulado “Leite de Souza vs. Brasil”, o Estado responde pela falta de diligência na investigação e punição dos responsáveis pelo desaparecimento forçado de 11 pessoas, em 1990, e de morosidade na apuração do suposto homicídio, em 1993, de mulheres que faziam parte das Mães de Acari. O presidente da Comissão de Direito Internacional da OABRJ, Carlos Nicodemos, é um dos advogados que representam as vítimas.
A causa foi levada em abril de 2022, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), à Corte IDH, que hoje anunciou ter concluído que o Estado brasileiro foi responsável pela violação de direitos humanos das vítimas e pela omissão na investigação do caso e na punição dos responsáveis. A Corte culpou o Brasil também pela precariedade da investigação dos crimes praticados contra as mulheres que integraram o grupo Mães de Acari, que lutavam por justiça.
A decisão menciona a necessidade de o Brasil ter uma definição sobre desaparecimento forçado das vítimas, determina o acompanhamento médico e psicológico destas, exige que o Estado se retrate, que construa um memorial em nome dos desaparecidos.
“É um momento histórico. A sentença determinou inúmeras questões que dizem respeito a um conceito de reparação, não apenas pecuniária, mas, também, histórica. Ou seja, uma decisão abrangente para outros casos e se torna um precedente histórico para demarcar vários temas no campo dos direitos humanos. É a primeira sentença dessa natureza que teve a capacidade, inclusive, de se atualizar no tempo e enfrentar o tema da milícia, por exemplo, que outrora, em 1990, não existia”, afirmou Nicodemos.
Nicodemos reforçou a importância de a Seccional receber este marco, exercendo, mais uma vez, seu papel como casa da cidadania. “Os familiares optaram pela OABRJ por ser uma casa da advocacia militante em defesa dos direitos humanos. Isso é muito importante, porque isso nos coloca de maneira muito alinhada em relação ao que se espera de uma casa de advocacia. Então, não haveria outro lugar para poder receber essa sentença e foi fundamental para nós que as famílias sentissem que podem contar conosco”, completou.
No dia 17 de dezembro, às 17h, o grupo Mães de Acari participará de uma solenidade de leitura da sentença no Centro Cultural da Justiça Federal, no Centro do Rio (Av. Rio Branco, 241). Os familiares também pretendem, no próximo dia 10, apresentar o texto à Ministra dos Direitos Humanos, Macaé Maria Evaristo dos Santos, para que o governo federal possa dar seguimento às determinações de reconhecimento do ocorrido.
Saiba mais sobre o caso
Em julho de 1990, Viviane Rocha, Cristiane Leite de Souza, Wudson de Souza, Wallace do Nascimento, Antônio Carlos da Silva, Luiz Henrique Euzébio, Edson de Souza, Rosana Lima de Souza, Moisés dos Santos Cruz, Luiz Carlos Vasconcelos de Deus e Edio do Nascimento foram retirados de um sítio em Magé, na Baixada Fluminense, por um grupo de homens que se identificaram como policiais e, desde então, não há conhecimento sobre o que aconteceu com as vítimas.
Os responsáveis nunca foram julgados, e o inquérito foi encerrado por falta de provas 20 anos após o episódio, em 2010, sem que ninguém fosse indiciado e, até então, apenas quatro famílias possuem os atestados de óbito de seus parentes.
Vanine Nascimento de Souza, de 44 anos, sobrinha e irmã de Edio do Nascimento e Wallace do Nascimento, respectivamente, vítimas do ocorrido, falou sobre a representatividade do fechamento reconfortante de uma história tão dura.
“Eu tinha 10 anos de idade quando tudo isso aconteceu. São 34 anos de luta, de busca, de sofrimento, de formas paliativas que recebemos como respostas, foram muitas portas fechadas, foram muitas inconclusões ao longo da nossa história e, hoje, nós vimos que um novo passo foi dado, uma definição foi dada. O nosso reconhecimento, a consideração da nossa história como verdadeira, como existente, com todos os detalhes, com a realidade do que aconteceu. Hoje estamos aqui juntos vivenciando o resultado de um fechamento dessa história real”, declarou emocionada.
Por: Fernanda Pedrosa
Assessoria de Imprensa/Foto: reprodução
OAB/RJ