Assim como a sociedade brasileira, a advocacia está polarizada. Para não naufragar, a classe deve entender que precisa do Estado Democrático de Direito para exercer as suas funções. É o que afirma o presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Sydney Sanches, que encerra o seu mandato de três anos nesta terça-feira (15/4).
Na gestão de Sanches, o IAB — que tem 182 anos de existência — foi ativo na defesa da democracia em face da tentativa de golpe de Estado por parte de bolsonaristas. O instituto também expandiu sua atividade acadêmica e dobrou suas reservas financeiras.
A advogada Rita Cortez foi eleita presidente do IAB para o seu terceiro mandato, derrotando Carlos Eduardo Machado em uma disputa acirrada. Foi uma “eleição dura”, muito polarizada, ressalta Sanches. Mas ele diz que agora é hora de os membros do IAB se unirem e darem continuidade ao trabalho do órgão.
Para Sanches, é preciso pensar na inclusão de advogados excluídos pela tecnologia e impedir que a inteligência artificial faça com que os profissionais fiquem preguiçosos.
Leia a entrevista:
ConJur — Qual o balanço da sua gestão à frente do IAB? Quais foram as principais conquistas e avanços?
Sydney Sanches — Nós iniciamos o mandato em um momento muito difícil do país, em que estavam latentes na sociedade brasileira todas as formas de afronta à democracia, havia grandes questionamentos sobre a lisura do processo eleitoral, a imprensa estava sendo muito atacada. O nosso desafio era manter o IAB, que tem 181 anos, com a obrigação de vocalizar a resistência a esses movimentos. Naquele cenário, muitas instituições precisavam ser protagonistas em vocalizar o respeito aos princípios constitucionais e democráticos. Nessa perspectiva, nós estivemos presentes em todos os atos mais importantes de defesa da democracia — inclusive no ato que houve na Universidade de São Paulo que repetiu o mesmo ato da década de 1970 —, como forma de simbolicamente reafirmar que o Brasil não admitiria qualquer tipo de ruptura.
Logo no início, eu me ocupei de criar uma comissão denominada Comissão de Defesa da Democracia, das Eleições e da Liberdade de Imprensa. Tive o privilégio de contar, na presidência da comissão, com Bernardo Cabral, coautor da Constituição de 1988 e um associado antigo do IAB. A vice-presidente foi Margarida Pressburger, com um histórico de vida voltado à defesa da democracia e dos direitos humanos. Cabral e Margarida deram uma roupagem muito simbólica para o trabalho da comissão, que foi muito vocal durante o processo eleitoral e depois, com as subsequentes contestações. A sociedade brasileira estava e segue muito dividida. O mesmo ocorre com a advocacia, que é o reflexo da sociedade brasileira. Há uma apropriação dos princípios democráticos por meio das vias democráticas, como as redes sociais.
O IAB trabalhou diretamente com o Tribunal Superior Eleitoral para assegurar a legitimidade das urnas eletrônicas e do processo eleitoral. No 8 de janeiro, o IAB defendeu o Supremo Tribunal Federal e a independência dos Poderes da República, da Constituição e da democracia brasileira. O instituto cumpriu o seu papel, a sua obrigação perante a sociedade brasileira. O IAB foi criado há 180 anos para ser um defensor das liberdades e dos direitos fundamentais. A causa abolicionista passou pelo IAB, depois as questões republicanas. O instituto sempre defendeu a democracia quando ela foi atacada, nos diversos períodos de ruptura institucional pelos quais o Brasil passou. E foi isso que o IAB fez novamente durante esse período.
ConJur — Como avalia a condução, pelo STF, do processo contra a tentativa de golpe de estado por parte de bolsonaristas?
Sydney Sanches — Em primeiro lugar, o modelo de dosimetria adotado pelo Supremo Tribunal Federal não mudou. Ou seja, a forma pela qual as penalidades estão sendo fixadas é consonante com a forma pela qual o Supremo vem enfrentando as questões na área criminal. E é importante ressaltar que a aparente gravidade das penas tem que ser entendida dentro do contexto do que representa o 8 de janeiro para o país em uma perspectiva histórica. Havia um grupo de pessoas agindo para uma ruptura institucional. Não aconteceu porque os poderes institucionais brasileiros funcionaram. Se tivesse acontecido, não estaríamos discutindo isso.
É importante o Judiciário brasileiro sinalizar nesse sentido, da gravidade do que efetivamente aconteceu, para que isso não se repita. Não podemos viver de aventuras. A verdade é que temos uma tradição de esquecer o passado para pensar em futuro melhor, como ocorreu no fim da ditadura militar. Mas nesse momento é importante revisar esse costume, porque a sociedade continua deflagrada, e as forças retrógradas, muito ativas. Ao passar o recado de que o que ocorreu foi muito grave, o Judiciário e os demais Poderes reafirmam que a democracia brasileira é intransigível.
ConJur — O que o IAB representa hoje para a advocacia e para a comunidade jurídica?
Sydney Sanches — O IAB foi constituído para ajudar a criar um ordenamento jurídico brasileiro e ser uma instituição da advocacia nacional. Quanto à primeira função, o instituto segue promovendo debates em defesa de um ordenamento jurídico que gere segurança política, respeite os direitos fundamentais e assegure o desenvolvimento econômico, sem prejuízo da perspectiva de democracia social que foi estabelecida na Constituição de 1988. O IAB permanece sendo órgão consultivo do Congresso Nacional sobre projetos de lei.
Com a reforma do Estatuto da Advocacia na década de 1990, o instituto passou a ser parte integrante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com direito a assento e voz consultiva. Então o papel do IAB é muito relevante para a advocacia porque tem uma independência por ser uma instituição muito voltada para a área acadêmica. E não é uma instituição só de advogados, é uma instituição de juristas, com membros do Ministério Público, da magistratura, da advocacia pública, professores nacionais e internacionais. Por conta dessa característica plural, o IAB tem um olhar independente que há muito contribui para as atividades da OAB, inclusive sendo às vezes posição contramajoritária da própria advocacia.
ConJur — O que espera da próxima gestão do IAB?
Sydney Sanches — A próxima gestão vai manter a tradição da instituição e defender os valores estabelecidos em nosso estatuto: Estado de Direito, democracia, direitos fundamentais e direitos humanos.
Em nossa gestão, o IAB ampliou o seu espectro de influência em participação, porque além do Brasil, nós atuamos muito internacionalmente. O IAB transmitiu a experiência e as dificuldades da sociedade brasileira, da advocacia brasileira, do sistema de Justiça brasileiro, para pessoas de outros países. O IAB participou de grandes instituições internacionais, como a União Internacional dos Advogados, o Senado de Instituições dessa organização, que é a Ordem Mundial, onde dividimos todas as dificuldades hoje de defender o Estado de Direito no mundo inteiro. O IAB esteve na Organização dos Estados Americanos (OEA), na Corte Internacional de Justiça.
Espero que a próxima gestão dê continuidade às oportunidades que foram oferecidas diante das dificuldades que as instituições hoje sofrem. Primeiro manter nossa qualidade acadêmica. É algo muito importante porque é uma característica do instituto. Manter o papel de independência institucional é fundamental, porque o instituto não pode estar subordinado a qualquer orientação externa. Isso significa entender esse papel como voz consultiva independente de âmbito nacional, não submetida a qualquer influência ou interesse político, seja partidário ou político-institucional. E avançar em outras áreas do conhecimento, como sociologia, história e artes, para oxigenar as discussões.
A eleição do IAB foi muito dura. É tradição do instituto esses momentos de disputa, eles ocorrem, faz parte. De certa forma, também é fruto do que a sociedade brasileira vem passando, porque o debate foi muito polarizado, duro, com um colégio eleitoral muito circunscrito, em que todos se conhecem direta ou indiretamente. E em alguns momentos, foi tóxico. Mas acabou. O colégio eleitoral do IAB escolheu a candidata de sua preferência, e Rita Cortez foi eleita. Cabe agora a pacificação e a reunião do instituto de forma solidária, coletiva e integrada ao trabalho que vem realizando.
ConJur — Como avalia o atual estado da advocacia no Brasil?
Sydney Sanches — A advocacia sofre dos mesmos males que a sociedade está vivendo. Há hoje advogados com interesses e características muito distintas. E creio que o papel da OAB é entender as diferentes demandas e as diferentes formas de advogar. E isso mantendo-se independente e afastada das questões corporativas internas. A OAB jamais pode ser apropriada por qualquer poder ou interesse particular.
A advocacia tem sido afastada do Poder Judiciário, muito em função das ferramentas de tecnologia. Isso faz com que o jurisdicionado receba um atendimento menos adequado, já que o advogado sofre restrições para o exercício pleno da defesa. Há uma parcela da advocacia que não tem acesso à tecnologia, seja porque a internet da região é precária, seja porque são pessoas mais velhas com mais dificuldades com novas ferramentas. A OAB precisa ser independente para cobrar do Judiciário ferramentas que ponham todo mundo no jogo.
Outro tema muito importante é a inteligência artificial e o que ela representará para o sistema de Justiça. A magistratura não pode ser substituída pela inteligência artificial. E o advogado não pode entender pensar que ele não precisa mais fazer nada e que uma ferramenta pode fazer por ele. É fundamental que os órgãos entendam as facilidades oferecidas pelas novas ferramentas de tecnologia como oportunidades que não substituem o papel de cada um dentro desse processo. Se hoje já existe um processo de proletarização da advocacia, isso vai se agravar ainda mais com uma incompreensão do que a tecnologia pode trazer. Ela pode ser ótima ou pode ser danosa, depende de como se usa.
Esse processo todo de preservação do sistema de Justiça também é uma preservação da democracia, porque sem a democracia não se tem Justiça. E as plataformas digitais hoje respondem por um novo espaço público, que atinge diretamente a nossa estrutura social na nossa forma de organização. Os códigos de comunicação mudaram, a forma como se entrega a informação é outra. Plataformas digitais publicam conteúdos que veículos como a ConJur, que tem responsabilidade de informação, não publicariam. A regulação das plataformas deve ser entendida como uma forma de assegurar as conquistas civilizatórias, que não permitem discurso de ódio e notícias fraudulentas.
Fonte: Conjur/ Foto: reprodução
Clique abaixo e veja também
Proteção Anti DDOS. Para seu website
Servidor dedicado no Brasil. Personalizado conforme você precise.
Servidor VPS no Brasil. Personalizado conforme você precise.
Hospedagem compartilhada para seus projetos online
Hospedagem Claud para seus projetos online