ATAQUE À DEMOCRACIA: Para especialistas, denúncia contra Bolsonaro mostra crimes, e não mera preparação

ATAQUE À DEMOCRACIA: Para especialistas, denúncia contra Bolsonaro mostra crimes, e não mera preparação

A Procuradoria-Geral da República concluiu em denúncia enviada ao Supremo Tribunal Federal que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) liderou uma tentativa de golpe para se manter no poder em 2022.

A denúncia de Paulo Gonet é didática em suas 272 páginas — algo raro no Judiciário. Ela narra com começo, meio e fim, com enredo, mocinhos e vilões, uma trama que teria sido iniciada em 2021 e teve como último ato a invasão às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

O pontapé, segundo a denúncia, ocorreu no feriado de 7 de Setembro de 2021, quando Bolsonaro “deu a conhecer o seu propósito de não mais se submeter às deliberações provenientes da Suprema Corte”. Na ocasião, o ex-presidente chamou o ministro Alexandre de Moraes de “canalha” e disse que não cumpriria suas decisões.

Com a proximidade das eleições de 2022, a organização criminosa teria se voltado a deslegitimar o processo eleitoral e a segurança das urnas eletrônicas. O objetivo, sustentou a PGR, foi criar um ambiente propício para um futuro golpe.

Perdida a eleição, Bolsonaro teria pressionado o comando das Forças Armadas para sustentar a trama golpista iniciada em 2021, incentivado os acampamentos em frente a quartéis do Exérxito e acionado os grupos de elite “kids pretos”, especialistas em operações especiais.

Em 2022, o ex-presidente também teria sido informado — e concordado — sobre o plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) e de Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Além de Bolsonaro, foram denunciadas outras 33 pessoas. Entre os acusados estão Walter Braga Neto, ex-ministro da Casa Civil, da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022; Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Informação (Abin); Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; e Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Se a denúncia for aceita pela 1ª Turma do Supremo, Bolsonaro, militares e integrantes do governo anterior responderão por cinco crimes. São eles:

1) Organização criminosa armada (três a 17 anos de prisão);
2) Tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito (quatro a oito anos);
3) Golpe de Estado (quatro a 12 anos);
4) Dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União (seis meses a três anos); e
5) Deterioração de patrimônio tombado (um a três anos).

Ato preparatório ou em execução?

Um dos argumentos usados por defensores do ex-presidente é o de que a trama golpista teria contado no máximo com atos preparatórios, e que, por isso, não há crime. Esse ponto deve ser tratado quando o STF analisar a acusação da PGR.

Na denúncia, Gonet discorda dessa visão ao afirmar que a tentativa de colocar em dúvida as urnas já se tratava de execução: o ex-presidente e autoridades próximas tentavam criar um clima propício para questionamentos ao resultado eleitoral e para um golpe de Estado. O monitoramento de autoridades também já seria o começo da execução.

Especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico concordam com o PGR. De acordo com eles, os questionamentos ao processo eleitoral, a edição de minutas de decretos com a suspensão de direitos e a articulação com agentes da Polícia Rodoviária Federal para atrapalhar a votação em locais em que Lula era favorito demonstram que tratava-se de um plano que teve a execução iniciada.

Para o constitucionalista Lenio Streck, “tentar derrubar a democracia” já é a consumação do ato criminoso. “A tentativa quer dizer: fazer qualquer ato que conduza ao objetivo.”

“Quem não entender isso ficará apenas protestando. Os crimes como organização criminosa e dano, por exemplo, não falam em tentativa. Porém, os crimes de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado contêm, como essência, que a consolidação do crime está na tentativa.”

“É assim que funciona. Quem disser que os atos ficaram apenas no preparo e, por isso, não haveria os crimes cometerá grave equívoco. Uma coisa é tentar furtar. Isso tem um caminho para o crime, o que é diferente de tentar derrubar a democracia”, concluiu Streck.

 

Consumação delitiva

Maria Jamile José, mestre em Direito Processual Penal pela USP, afirma que a questão central da discussão é o momento da consumação delitiva. Em crimes contra o Estado democrático de Direito, segundo ela, a consumação já ocorre na fase da tentativa.

“O legislador antecipou o momento da consumação do crime para a fase da tentativa, o que se depreende da própria redação dos tipos penais. Assim, especificamente nesses casos, o monitoramento de autoridades, o planejamento e a arrecadação de fundos já poderiam, ao menos em tese, configurar os delitos em questão.”

O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini vê a questão da mesma forma. Para ele, se forem provados os atos descritos na denúncia, não será possível falar em “mera cogitação”, mas em tentativa de golpe de Estado.

“A denúncia relata atos de início de execução de um plano contra o Estado de Direito, composto por atos de questionamento da lisura das urnas, pela discussão de decretos de suspensão de direitos com a cúpula das Forças Armadas, a articulação com agentes da Polícia Rodoviária para atrapalhar votações e a instigação dos danos a bens públicos.”

Zona cinzenta

Para a constitucionalista Vera Chemim, é preciso analisar “com muita cautela” se a denúncia trata de condutas puníveis ou só de atos preparatórios.

“Trata-se de uma zona cinzenta, polêmica, especialmente quando se trata de crimes contra o Estado democrático de Direito. É necessário que se faça uma análise muito cautelosa e técnica, evitando qualquer extrapolação legislativa nesse sentido.”

Ao contrário dos colegas, Vera sustenta que o monitoramento de ministros e autoridades configura, a princípio, “um ato preparatório para a execução de um crime”.

“Portanto, seria preciso que o Poder Legislativo viesse a mudar a redação de determinados tipos penais, criar uma lei ou, ainda, modificar a legislação extravagante, no sentido de prever clara e expressamente atos preparatórios ‘puníveis’.”

Quanto às declarações contra o processo eleitoral, disse a advogada, trata-se do exercício do “direito fundamental à liberdade de expressão”.

“A criação de um clima propenso a questionamentos em face das eleições representa o direito fundamental à liberdade de expressão de um Estado democrático, cujo desenvolvimento, conforme Confúcio, só se dá com a exposição e crítica de ideias divergentes. É a essência do desenvolvimento de uma democracia. Assim, tal fundamentação não pode ser considerada como ato de execução de um crime e muito menos de ato preparatório para a execução de um crime.”

Clique aqui para ler a denúncia da PGR
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Fonte: Conjur/ Foto: reprodução

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