Aproveitando as comemorações do Dia da Justiça no Brasil, que é celebrado em 8 de dezembro e tem como propósito reconhecer a importância do nosso sistema judiciário para os cidadãos, parece apropriado falarmos sobre termos que frequentemente são vistos “andando juntos” em diversas mídias e artigos especializados: Direito, Justiça e Política.
Em tempos em que tribunais são mais vistos como políticos do que como jurídicos (como deveriam ser?), não é difícil encontrar alguém perguntando se o compromisso do Direito seria mais com a política do que com a justiça. O debate entre o “correto” e o “justo” é tema frequente entre filósofos e juristas: a lei, criada para normatizar condutas sociais, sem sempre reflete o “ideal” de justiça esperado pela sociedade.
O Direito, para ser justo, não pode se afastar do seu principal objetivo, que é promover o bem da sociedade e não ser simplesmente um compilado de dispositivos legais. A ideia de “Direito justo” é muito presente na obra de Ronald Dworkin, segundo o qual o direito não deve se limitar à mera aplicação de leis, mas especialmente interpretar essas normas com olhos nos princípios de justiça, convidando o juiz a mais garantir direitos fundamentais do jurisdicionado do que apenas obedecer a letra da lei.
No mesmo sentido vem a lição de Robert Alexy: raciocínio e argumentação são essenciais para que uma decisão não seja só “correta”, mas justa. A lei precisa buscar a justiça acima de tudo, demandando a ponderação de princípios e valores.
Se pensarmos que o Direito deve acima de tudo buscar a justiça, concluímos que, em determinados momentos, o Direito pode entrar em rota de colisão com a lei. Em situações onde a lei possa gerar resultados lícitos porém injustos, princípios como o da Dignidade Humana podem ser o fiel da balança para compreender com clareza o caminho a ser seguido.
Interpretando as lições de Dworkin e Alexy, entendemos que princípios e regras são espécies diferentes de normas jurídicas. A regra, que muito se assemelha à figura da Lei, é aplicada no modo do tudo-ou-nada: não admite extensão. Por exemplo, em direito criminal, se a conduta do agente não se amoldar exatamente ao tipo legal, não caberá punição.
O princípio, por outro lado, admite flexões que as regras não possuem. Pode desde influenciar a interpretação de determinado texto legal a até substituí-lo quando surgir situação injusta.
Daí a importância da ostensiva interpretação da Constituição; É nela que estão os princípios e garantias fundamentais de uma sociedade, e é por eles que o Direito poderá se opor à letra da Lei: através de controle de constitucionalidade, quando a regra provocar situações injustas ou desproporcionais, princípios serão sobrepostos ao texto legal para que a justiça seja feita.
É impossível falar de Direito e Lei sem falar do positivismo jurídico de Hans Kelsen – que, em coincidência com o título deste ensaio, era um jurista e filósofo legal e político.
A teoria positivista defende que o Direito é nada mais do que um sistema de normas (Leis, basicamente), e que norma é o texto que prevê uma conduta e a sua consequência. Não há qualquer ligação a moralidade ou justiça, mas unicamente um conglomerado de regras objetivas.
Ousamos discordar. Sendo o Direito uma ciência social, sua evolução junto à sociedade é esperada: as posições de Dworkin e Alexy me parecem mais adequadas, pois reconhecem que o exercício jurídico não é a mera aplicação mecânica de receitas, mas a busca do justo.
O “justo”, aqui, naturalmente passa por questões éticas e políticas, e cada sociedade tem noções diferentes do que é “ético” e do que é “político” – ou seja, sobre o que seria efetivamente justo.
Embora, assim, a Lei seja um instrumento formal do Direito, ela não necessariamente reflete aquilo que pode ser entendido como justo e correto em uma sociedade.
Se a Lei é uma “receita” que não admite flexões, alguém diria que a Política não influencia a sua aplicação. Ledo engano: citando a sociedade brasileira contemporânea à escrita deste texto, inúmeras decisões por vezes valorizam o cenário político e fático, subvertendo leis e princípios em prol do contexto do julgamento.
O Supremo Tribunal Federal já afirmou, em diversas ocasiões, que seu papel também é político: por exemplo, no julgamento da ADPF 45, lê-se claramente que a Corte seria um “tribunal político”, uma vez que a jurisdição constitucional possuiria uma “dimensão política” que seria fruto de uma revisão do “vetusto dogma da separação dos poderes”.
Contudo, o dicionário revela que “política” é a arte ou ciência de governar, de guiar ou influenciar o modo de governo. E o Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, a quem compete especialmente a guarda da Constituição. Nos parece que a influência política sobre o Direito ou a Lei pode gerar efeitos nefastos, especialmente quando admitida por quem deveria ser o guardião da Constituição acima de qualquer influência política.
A discussão sobre o Direito justo, sua relação com a Lei e a relação de ambos com a Política revela a complexidade do nosso ordenamento jurídico. A tensão que frequentemente surge entre esses três conceitos incentiva operadores do direito a não serem somente aplicadores de leis, mas verdadeiros pensadores.
Compreender a diferença entre Direito e Lei é requisito básico para se tornar um profissional diferenciado, capaz de transitar livremente nos sistemas jurídicos contemporâneos: enquanto a Lei normatiza as regras para a convivência social, o Direito não permite que a sociedade se afaste da justiça.
*Advogado, especialista em direito e processo do trabalho e direito acidentário, mestrando em direito do trabalho pela PUC-SP e professor em cursos jurídicos voltados ao direito do trabalho e correlações com o direito previdenciário.
HUG Comunicação – Assessoria de Imprensa e Conteúdo