Andreza Matais/Colunista do UOL – O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, admite em entrevista à coluna que o governo “está aberto” a desistir do leilão de compra de arroz importado, caso surjam alternativas para conter a alta dos preços e evitar um desabastecimento por causa da tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, maior produtor do cereal.
É a primeira vez que o ministro abre essa possibilidade, e isso ocorre após o governo cancelar a primeira tentativa de realizar o leilão, alegando que houve “falcatrua”, termo usado ontem (21) pelo presidente Lula (PT).
Fávaro disse também que, se dependesse dele, já teria demitido o diretor da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) responsável pelo leilão, Thiago José dos Santos. “Não entendo por que não saiu ainda”.
Em meio às negociações para o Plano Safra, o ministro afirmou que seu colega Fernando Haddad (Fazenda) terá que decidir “de que lado está” —se irá conter os gastos ou ampliá-los para atender à demanda dos produtores.
Sobre a demissão de seu secretário Neri Geller por ter ex-assessores envolvidos no leilão do arroz, o ministro disse que agiu como Itamar Franco. O ex-presidente afastou o ministro da Casa Civil, enquanto ele respondia a acusações e o reincorporou depois de inocentado.
Perguntado se, por esse lógica, Lula deveria fazer o mesmo com Juscelino Filho (Comunicações), indiciado por corrupção, respondeu: “Cada um tem as suas atribuições. Eu tenho meus princípios e o meu jeito de governar.”
Veja a seguir a íntegra da entrevista:
UOL – Qual a relação do senhor com o Robson Luiz Almeida França, o ex-assessor parlamentar do seu então secretário Neri Geller que representou empresas suspeitas no leilão do arroz? (o envolvimento do empresário levou o ministro a demitir Geller).
Fávaro: Ele nunca trabalhou para mim, nunca passou perto, nunca tive relação, nunca fez um negócio. Muito provavelmente em campanha política posso ter encontrado com ele em alguma reunião, porque ele é advogado do PP, e o Neri era o presidente do partido, mas eu não sei a fisionomia desse cidadão. E não estou falando mal dele. Só não sei quem é.
UOL – Seis meses antes de arrematar o maior lote do leilão do arroz importado, a ASR Locações de Veículos venceu um outro também realizado pela Conab para vender milho ao governo da Bahia por R$ 19 milhões. O senhor tem ciência disso?
Fávaro: Não tenho gestão sobre a Conab que, inclusive, não está nem sob gestão do Ministério da Agricultura.
UOL – O Thiago José dos Santos, diretor executivo de Operações e Abastecimento da Conab, foi indicado pelo seu ministério…
Fávaro: A decisão foi compartilhar as diretorias [entre os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, a quem a empresa pública está subordinada]. O próprio Neri [Geller] indicou o Thiago.
UOL – Então o senhor tem gestão lá…
Fávaro: Nesse caso, o Thiago foi indicado pelo Ministério da Agricultura.
UOL – No governo, a informação é de que o diretor segue na Conab, apesar de ter comandado o leilão do arroz, a pedido do senhor. O senhor confirma?
Fávaro: De jeito nenhum!
UOL – O senhor vai pedir a saída dele do cargo?
Fávaro: Eu já disse a ele que deveria colocar o cargo à disposição, mas o ministério gestor da Conab é o Desenvolvimento Agrário.
UOL – O senhor mesmo disse que ele foi indicado pela Agricultura…
Fávaro: Eu já liberei, minha amiga. Se sou eu que faço a gestão, eu o trocaria. O ministro Paulo Teixeira [Desenvolvimento Agrário]… Já falei isso para ele no mesmo dia. Falei isso para o Edgar Pretto [presidente da Conab] também.
UOL – E por que estão segurando o “diretor do leilão do arroz”?
Fávaro: Pergunte para quem está segurando e não para mim. Eu acho que não estão segurando, acho que será trocado.
UOL – A mulher do Neri é assessora da presidência da Conab. É cota do ministério da Agricultura?
Fávaro: Pergunte a ele. Eu não indiquei ninguém.
UOL – O senhor conhece a Juliana Geller?
Fávaro: Como vou falar que não conheço? Eu sei quem é a mulher dele. Não tenho relação. Nunca sentei na casa dele para almoçar, mas sei com quem ele é casado.
UOL – O senhor defende que ela seja substituída?
Fávaro: Não sei de nada.
UOL – Ela tem qualificação para o cargo?
Fávaro: Não sei.
UOL – A bancada ruralista defende uma CPI para investigar os leilões da Conab, a partir do leilão de arroz importado. Qual a opinião do senhor?
Fávaro: Fui eu quem sugeri ao presidente Lula que colocasse a PF e a CGU [Corregedoria-Geral da União] para investigar o leilão.
UOL – O senhor vê suspeita de corrupção no leilão do arroz?
Fávaro: Não, mas não isento nada.
UOL – Mas por que colocar a PF, se o senhor não vê indícios de corrupção?
Fávaro: Porque quem tem obrigação de investigar é a Polícia Federal. Eu não vejo, mas também não sabia que [o leilão] envolveu pessoas com ligações dentro e fora do ministério. Como eu não sabia disso, eu não sei se tem corrupção, mas não posso fazer prejulgamento.
UOL – Por que insistir com o leilão?
Fávaro: Porque se faz necessário a Conab ter um estoque. A Conab está vulnerável. É papel da Conab ter estoques públicos para poder combater inflação, garantir preços mínimos aos produtores e garantir o controle inflacionário. Em 2023, na segunda seca drástica no RS, produtores gaúchos colocavam os animais na beira da estrada para comer restos de capim. E a Conab não tinha um quilo de milho para vender aos produtores, como hoje não tem um quilo de arroz para poder combater a especulação de preços.
UOL – Os produtores estão usando uma tragédia para especular?
Fávaro: Estamos no momento de armazéns cheios. Então, o que justifica alta de preços no patamar que ocorreu? Como se combate isso? Com oferta. O governo vender um pouco mais barato. Só que a Conab não tem um quilo para ofertar. A segunda alternativa é tirar a taxação para vir produto de fora. Não veio. A terceira alternativa é o leilão.
UOL – A área técnica da Conab, o Neri Geller, a CNA [Confederação Nacional da Agricultura] e a bancada ruralista dizem que não há necessidade do leilão. O senhor vai insistir mesmo assim?
Fávaro: Não sou só eu, é o governo. Qual a alternativa? O que resolve ter estoque suficiente se o dono não vende para especular preço?
UOL – Neri Geller disse que Casa Civil que era contra o leilão. Ele falou pelo ministério?
Fávaro: Eu estava na reunião. Ele disse que achava que não tinha que ter porque tem estoque suficiente.
UOL – Toda a bancada ruralista, que tem 309 deputados e 50 senadores, está errada?
Fávaro: Eles têm os argumentos deles. Agora, eu questiono por que o preço sobe. Eles são a favor da especulação? O presidente Lula, o Rui Costa [Casa Civil], o Fernando Haddad [Fazenda], todo o governo quer saber por que o preço do arroz subiu se tem estoque. Tentamos comprar do Mercosul 100 mil toneladas. Empresas brasileiras poderiam fornecer porque elas estão dos dois lados. Por que em quatro dias o dinheiro que iria comprar 100 mil dava para comprar só 70 mil? Não precisa ter dois neurônios para entender que tem um cartel e não é feito por produtores.
UOL – É por quem?
Fávaro: Tem que investigar.
UOL – O senhor defende a CPI para investigar?
Fávaro: Não. A CPI quer fazer politicagem.
UOL – A chance de o governo desistir do segundo leilão é zero?
Fávaro: Se tiver outro mecanismo que faça com que o abastecimento se regularize a preços normais, sem especulação, o governo está sempre aberto ao diálogo.
UOL – O ministério perdeu força no governo Lula?
Fávaro: É grande demais a estrutura. Incham demais para não fazer o que tem que fazer.
UOL – O Plano Safra vai atender às demandas do Congresso?
Fávaro: Concordo que, na medida do possível, devem ser atendidas. Não há divergência nem com o próprio ministro Fernando Haddad quanto a isso. Só não consigo dizer se serão atendidas em sua totalidade. Até porque é um contrassenso. O mesmo que critica o orçamento extrapolar o teto de gasto é o mesmo que defende mais dinheiro para ampliar políticas públicas. Aí tem que dizer: ‘E aí ministro Fernando Haddad, de que lado o senhor está?’. Você mesmo que pede responsabilidade, você mesmo pede para ampliar o gasto.
UOL – Quem vai para a Secretaria de Política Agrícola, ocupada até semana retrasada por Neri Geller?
Fávaro: Não sou eu que decido. A SRI [Secretaria de Relações Institucionais, do ministro Alexandre Padilha] já recebeu as indicações, inclusive do meu partido (PSD). Só pedi que seja alguém com capacidade técnica.
UOL – Houve rompimento do senhor com o Neri Geller no episódio da demissão?
Fávaro: Quando o presidente Itamar Franco pediu para o ministro da Casa Civil do seu governo se afastar por denúncias de corrupção, certamente o ex-ministro Henrique Hargreaves não foi para casa comemorar, não foi fazer uma festa. Pode ter ficado até magoado. Mas houve senso de responsabilidade, de ambos os lados. Cento e poucos dias depois, ele voltou para o cargo [quando ficou comprovada sua inocência]. Não se trata de relações pessoais, mas de respeito à gestão pública. Não fiz nada a nível pessoalizado.
UOL – Por esse princípio o presidente Lula errou ao não afastar o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, indiciado pela PF por corrupção?