DO COAF PARA MINHA MESA: Gilmar mantém acórdãos do STJ que vetaram RIFs por encomenda sem crivo judicial

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É necessária autorização judicial prévia para o compartilhamento de relatórios de inteligência financeira (RIFs) com as autoridades de persecução penal, quando forem solicitados diretamente ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

A conclusão é do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que julgou improcedente uma reclamação ajuizada pela Procuradoria-Geral da República na tentativa de validar o uso desses relatórios em investigações criminais.

O processo atacou os acórdãos da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça em que ficou definido que, até que o Plenário do STF pacifique a questão, os chamados RIFs por encomenda são ilegais e causadores de nulidades de provas.

Trata-se de tema que vem dividindo a jurisprudência brasileira a partir de um desdobramento da tese firmada pelo próprio Supremo em 2019.

1ª Turma do Supremo vem validando o compartilhamento por encomenda, enquanto a 2ª Turma vem invalidando, apesar de haver indícios de que essa questão pode ser unificada no âmbito desses colegiados mesmo.

Além disso, o Plenário do STF já reconheceu a repercussão geral do tema dos RIFs por encomenda.

Na última semana, o ministro Alexandre de Moraes, relator do recurso em que o STF vai decidir a constitucionalidade dos RIFs por encomenda, determinou a suspensão de todas as decisões judiciais que vetaram o uso dos relatórios encomendados por órgãos persecutórios — inclusive as do STJ.

A decisão atendeu ao pedido da Procuradoria-Geral da República, por conta da postura que o Superior Tribunal de Justiça vem adotando quanto ao tema.

RIFs por encomenda

Para Gilmar, a posição que exige a autorização judicial antes que o Coaf produza os RIFs a pedido dos investigadores assegura que as autoridades públicas se submetam à Constituição e respeitem a cláusula de reserva de jurisdição.

“Essa posição não impede o exercício legítimo das atribuições dos órgãos de persecução criminal”, disse o ministro. Advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico e ministros do STJ já se manifestaram no mesmo sentido.

A decisão do ministro Gilmar ainda destaca que a questão dos RIFs por encomenda não é idêntica ao que o STF decidiu sobre o acesso a dados do Coaf em 2019. Essa diferenciação é de suma importância para a definição da legalidade do acesso a essas informações.

Primeiro, o Supremo decidiu que, quando um servidor da Fazenda ou do próprio Coaf identifica indícios de prática delituosa pelo contribuinte, ele pode elaborar a representação fiscal para fins penais ou o RIF e remetê-la ao Ministério Público.

“O caminho inverso — requisição direta do Ministério Público — não encontra respaldo na jurisprudência do STF, o que também se aplica à autoridade policial”, apontou Gilmar Mendes.

“Essa evolução jurisprudencial revela, com clareza, que a situação ora enfrentada não encontra amparo direto e específico no Tema 990, motivo pelo qual não se pode falar, propriamente, em descumprimento de precedente vinculante com aderência estrita, a justificar, de plano, a procedência da presente reclamação”, acrescentou.

Razão de existir do Coaf

Para o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, do Bottini & Tamasauskas Advogados, a decisão de Gilmar fez valer o que determina a lei de lavagem de dinheiro e ocultação de bens.

“A razão de existir desse órgão é justamente definir quais são as informações relevantes e repassá-las às autoridades. O inverso não parece possível. Se as autoridades pudessem pedir diretamente informações ao Coaf, esse órgão seria desnecessário e inútil. Bastaria obrigar diretamente bancos, corretoras imobiliárias, ou outros órgãos a prestar tais informações”, disse.

“Nunca foi essa a intenção do legislador. Se o Ministério Público ou a polícia querem obter dados sigilosos, basta fundamentar e pedir autorização ao Poder Judiciário.”

Fábio Dutra, sócio do Fábio Dutra Advogados, também endossa a decisão do decano. “Apesar de a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal entender serem válidas investigações originadas de relatórios de inteligência financeira do Coaf, a decisão do ministro Gilmar Mendes está em consonância com a jurisprudência da 2ª Turma e com o que foi decidido pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.”

O advogado Eduardo Carnelós diz que a decisão de Gilmar “reitera o que o Supremo já decidiu em inúmeros outros casos”.

“Realmente, há uma enorme diferença entre uma comunicação do Coaf às autoridades, feita a partir de constatação de indícios de prática de crime, e a requisição dessas autoridades ao Coaf, para que este obtenha informações relativas a atividades financeiras de alguém, sem autorização judicial. Até porque, para que o juiz o autorize, é necessário que se demonstre a existência de indícios prévios de prática de crime, para então justificar a quebra do sigilo e a busca por mais dados da movimentação financeira.”

O criminalista Rodrigo Dall’Acqua aponta que a decisão de Gilmar pode limitar usos abusivos de relatórios do Coaf.

“A decisão do ministro Gilmar Mendes não prejudica em nada o combate à lavagem de dinheiro. Para ter acesso aos relatórios do Coaf basta pedir autorização judicial, assim como a polícia e o MP fazem para acessar extratos bancários ou obter uma busca e apreensão. O controle judicial precisa ser retomado, cada vez mais a polícia tem usado os relatórios do Coaf para ‘fishing expedition’ em investigações vazias.”

Já o advogado Alberto Zacharias Toron opina que a decisão do ministro “consagra a ideia de que para se obter um RIF é essencial à mediação do juiz”. “Em outras palavras, não se pode permitir que o delegado de polícia ou o próprio ministério público façam requisições de relatórios de inteligência financeira, uma vez que é fundamental para o controle da legalidade do pedido e se evitar eventuais “pescarias”. O juiz deve fazer o controle da legalidade do pedido e definir a sua correção. Essa decisão reafirma direitos e garantias individuais do cidadão e, mais especificamente, vela pela preservação de dados que atinam com a intimidade do indivíduo”.

Tema quente

ConJur já mostrou que, em dez anos, o número de RIFs por encomenda aumentou 1.300%. No ano passado, o Coaf entregou uma média de 51 relatórios por dia aos órgãos habilitados.

Já a Folha de S.Paulo publicou que, em 2024, foram registrados 13.667 pedidos de RIFs ao Coaf pelas polícias civis, número 114% maior que os 6.375 feitos em 2021.

O risco é de transformar o imenso banco de dados do Coaf em um repositório de dados à disposição dos investigadores, com informações que, inclusive, não representam prova, mas apenas indica onde obtê-las — são como “mapas de calor”.

Rcl 79.982

Fonte: Conjur/ Foto: reprodução

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