STF, Malafaia e o retorno da condução coercitiva?

O julgamento dos embargos de declaração apresentados pela defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro no processo da chamada “trama golpista” no Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou uma inflexão definitiva na trajetória do caso. Ao rejeitarem o recurso, os ministros Alexandre de Moraes, Criastiano Zanin e Flávio Dino reafirmaram não apenas a robustez da condenação, mas também o entendimento de que a Corte Superior encerrou a fase de controvérsias jurídicas relevantes. O processo entrou, agora, em seu estágio terminal. Moraes, relator da ação, qualificou os recursos como “meras insurgências” contra o resultado do julgamento e destacou que todos os pontos levantados pela defesa (omissões, contradições e erros na dosimetria da pena) já haviam sido amplamente examinados. O voto reitera a narrativa construída desde o início da ação penal: a de que Bolsonaro não foi um coadjuvante, mas o centro de gravidade de uma organização criminosa que tentou abalar as bases do Estado democrático de Direito. O relator insistiu na ideia de liderança consciente e dolosa. O ex-presidente, segundo ele, teve ciência do plano de monitoramento e neutralização de autoridades e participou ativamente da difusão de mentiras sobre o sistema eletrônico de votação, pavimentando o terreno para a ruptura institucional. Flávio Dino acompanhou integralmente essa posição, reforçando a mensagem de coesão interna da Primeira Turma, algo que, no contexto político e jurídico, tem peso simbólico relevante. O julgamento também reafirma a legitimidade da dosimetria aplicada: 27 anos e três meses de reclusão. Moraes destacou que a pena foi fixada dentro dos parâmetros legais e agravada pelas circunstâncias judiciais “amplamente desfavoráveis” ao réu. A resposta implícita à estratégia defensiva é clara: o STF não pretende reabrir discussões de mérito travestidas de embargos técnicos. O precedente é importante, porque tende a limitar o uso abusivo de recursos como forma de protelar o trânsito em julgado de condenações. No campo institucional, o Supremo demonstra um duplo movimento. De um lado, preserva sua autoridade como corte constitucional capaz de julgar crimes contra a democracia, sem ceder à pressão política. De outro, sinaliza que não pretende transformar o processo penal do ex-presidente em um interminável ciclo de recursos e manobras processuais. Esse equilíbrio, entre rigor técnico e autocontenção política, tem sido um dos desafios centrais do tribunal desde os ataques de 8 de janeiro de 2023. O futuro imediato de Jair Bolsonaro no STF, portanto, está delimitado. Salvo algum movimento improvável, como a apresentação de embargos infringentes em cenário sem divergência de votos, a Primeira Turma deve concluir o julgamento dos recursos até o fim do ano. A partir daí, o ministro Alexandre de Moraes decidirá sobre o início da execução da pena, que pode ocorrer ainda em 2025. Resta saber sob que condições o ex-presidente cumprirá a sentença. Bolsonaro está atualmente em prisão domiciliar por outro processo, e o tribunal deverá definir se ele permanecerá nessa condição, será transferido para a Papuda, para uma unidade militar ou para dependências da Polícia Federal. Com o placar praticamente formado e o ambiente institucional amadurecido desde os episódios de ruptura, o STF chega ao ponto de não retorno. A Corte Superior não apenas julga um ex-presidente, mas também fixa as fronteiras da impunidade política no Brasil democrático. A era Bolsonaro, ao menos nos tribunais superiores, aproxima-se de seu desfecho. E o desfecho, ao que tudo indica, não será de absolvição. *Marcelo Aith é advogado criminalista. Doutorando Estado de Derecho y Gobernanza Global pela Universidad de Salamanca - ESP. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidad de Salamanca.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de impor medidas cautelares ao pastor Silas Malafaia reacende o debate sobre os limites da liberdade de expressão e a atuação do Poder Judiciário. O ministro Alexandre de Moraes, no âmbito do inquérito que apura atos antidemocráticos, determinou uma série de restrições ao pastor, justificando que suas declarações públicas configuram risco à ordem pública e ao Estado Democrático de Direito.
Malafaia foi alvo de busca e apreensão pela Polícia Federal após desembarcar no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Ele retornava de um voo de Lisboa. Segundo a decisão, as condutas do pastor, “em vínculo subjetivo” com o ex-presidente, “caracterizam claros e expressos atos executórios” dos crimes de coação no curso do processo e obstrução de investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
A decisão é enfática ao afirmar que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e não pode ser usada como escudo para atacar instituições democráticas. O ministro Moraes aponta que Malafaia, valendo-se de sua visibilidade como líder religioso, tem fomentado a deslegitimação do Poder Judiciário, questionado a lisura do processo eleitoral e insuflado a população contra decisões judiciais. Para o STF, essa conduta extrapola o direito constitucional e se enquadra como abuso de direito.
Ainda que a linha entre a crítica contundente e a incitação à desordem seja tênue, a cronologia dos fatos apresentada pela investigação indica que as ações contra o pastor não são isoladas. Elas se sucedem a uma série de manifestações e citações em relatórios da Polícia Federal, evidenciando uma preocupação crescente do sistema de justiça com o impacto de suas falas.
A determinação de que Silas Malafaia seja levado à Polícia Federal para depor formalmente, mesmo que nas dependências de um aeroporto, levanta um ponto sensível e preocupante: a semelhança com a condução coercitiva, uma prática que, embora amplamente utilizada na Operação Lava Jato, foi declarada inconstitucional pelo próprio STF.
Em 2018, na ADPF 444, o Supremo decidiu que a condução coercitiva de investigados para interrogatório violava os princípios da presunção de não culpabilidade, da dignidade da pessoa humana e, principalmente, do direito ao silêncio. A Corte entendeu que levar alguém à força para depor, sem que tenha se recusado a comparecer a um chamado anterior, tratava o indivíduo como culpado antes de qualquer condenação e o expunha de forma desnecessária.
A decisão de conduzir Malafaia para prestar depoimento, mesmo que em um local não convencional, ecoa essa prática. Independentemente das acusações contra ele ou de sua ideologia, a medida abre um precedente perigoso. Aplaudir essa ação, sob a justificativa de que a pessoa é “alvo de crimes”, é contraditório para quem defende o garantismo penal e os direitos individuais.
As medidas cautelares impostas a Silas Malafaia, sobretudo a restrição de sua liberdade de ir e vir e de se comunicar com outros investigados, se justificam, na visão do STF, pela necessidade de proteger a ordem pública. No entanto, a forma como o depoimento foi solicitado levanta questões sobre se o Judiciário está, por vezes, negligenciando os princípios que ele próprio ajudou a solidificar. A luta contra os abusos da Lava Jato não pode se tornar uma mera substituição de alvos.
Afinal, como o próprio ditado popular nos ensina, “o pau que bate em Chico, bate em Francisco”. O Estado Democrático de Direito não se fortalece pela exceção, mas pela coerência no respeito às garantias fundamentais, que devem ser universais, independentemente de quem seja o investigado.
*Marcelo Aith é advogado criminalista. Doutorando Estado de Derecho y Gobernanza Global pela Universidad de Salamanca – ESP. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidad de Salamanca.

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