A recente regulamentação da Receita Federal que obriga a comunicação de transações financeiras realizadas via PIX trouxe à tona importantes questões jurídicas e críticas sobre seus impactos na privacidade e no exercício de direitos fundamentais. As novas regras determinam que operações acima de R$ 5 mil, no caso de pessoas físicas, e acima de R$ 15 mil, no caso de pessoas jurídicas, devem ser reportadas pelas instituições financeiras ao Fisco. Essa medida, justificada sob o pretexto de intensificar o combate à sonegação fiscal e outros ilícitos, suscita dúvidas quanto à sua razoabilidade e compatibilidade com os princípios constitucionais.
Embora o objetivo de aprimorar os mecanismos de fiscalização tributária seja legítimo, a implementação dessas exigências levanta preocupações quanto à possível violação de direitos à privacidade e à proteção de dados pessoais, ambos assegurados pela Constituição Federal e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A coleta sistemática de informações financeiras de cidadãos e empresas, sem levar em consideração a premissa básico de qualquer Estado Democrático de Direito – que é a preservação do sigilo bancário –, pode resultar em uma ampliação excessiva da vigilância estatal, colocando em risco o equilíbrio entre a proteção de direitos individuais e o interesse público.
Além disso, a fixação dos limites de R$ 5 mil e R$ 15 mil para comunicações ao Fisco é questionável do ponto de vista prático. Tais valores, embora significativos, não necessariamente são indicativos de atividades ilícitas, e sua escolha pode ser vista como arbitrária, especialmente considerando que operações de menor monta também poderiam ser utilizadas para fins ilegais. Ao mesmo tempo, essa obrigação impõe às instituições financeiras uma sobrecarga administrativa que, inevitavelmente, pode ser transferida aos clientes por meio de custos adicionais ou redução na qualidade dos serviços prestados.
A medida ainda suscita preocupações quanto à forma como os dados serão utilizados pela Receita Federal e os critérios de fiscalização que serão adotados. Sem transparência e rigorosos mecanismos de controle, há o risco de abusos ou uso inadequado das informações coletadas, o que poderia gerar insegurança jurídica para cidadãos e empresas. A ampliação do monitoramento financeiro deve ser avaliada com cautela para que não se configure como um instrumento de invasão injustificada da esfera privada.
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Crédito: Matheus Campos
Legenda: Leonardo de Angelis, do Ferreira Pires Advogados |
Embora a intenção de combater práticas ilícitas seja válida, é imprescindível que a aplicação dessas regras seja reavaliada à luz dos princípios constitucionais. O equilíbrio entre o interesse público e a proteção de direitos individuais é essencial para que medidas de fiscalização não se tornem instrumentos de controle desmedido e potencialmente arbitrário, representando um verdadeiro cerco ao contribuinte, que já enfrenta a demasia de gastos públicos que se encontra acompanhado, há bastante tempo, por ampla margem de ineficiência. Por isso, o debate sobre as novas regras é urgente, de forma a garantir que a busca por eficiência no combate a ilícitos fiscais não comprometa as garantias fundamentais do cidadão brasileiro.
Leonardo H. De Angelis
Sócio responsável pela área tributária do Ferreira Pires Advogados