Tributação ambiental, Moratória da Soja e retirada de benefícios fiscais

Tributação ambiental, Moratória da Soja e retirada de benefícios fiscais

A política ambiental brasileira, especialmente no que diz respeito ao bioma amazônico, tornou-se palco de tensões entre iniciativas privadas de autorregulação e medidas estatais de caráter fiscal. A Moratória da Soja, assim entendida como um acordo multissetorial, com a participação de empresas, associações de classe, entidades da sociedade civil e órgãos do governo federal e que tem por finalidade impedir a compra de grãos cultivados em áreas desmatadas após 2008 na Amazônia, surgiu como um instrumento de governança ambiental que busca alinhar interesses privados e coletivos.

Em contrapartida, alguns Estados brasileiros passaram a cogitar ou mesmo efetivar a retirada de benefícios fiscais de empresas signatárias da moratória, alegando prejuízos econômicos locais. Esse embate oferece terreno fértil para aplicação da teoria pigouviana e da Análise Econômica do Direito (AED), revelando como a tributação e os incentivos fiscais podem funcionar tanto como mecanismos de correção de falhas de mercado quanto como exemplos de falha de governo.

Do ponto de vista pigouviano [1], a lógica da Moratória da Soja aproxima-se da ideia de internalização de externalidades [2]. Trata-se de uma política privada que gera externalidades positivas relevantes, como a preservação de áreas florestais, a redução das emissões de carbono e a manutenção da credibilidade internacional do agronegócio brasileiro perante mercados exigentes em matéria de sustentabilidade. Além disso, ao transferir para as próprias empresas o custo de monitoramento [3] e de exclusão de fornecedores irregulares, a moratória diminui os custos públicos de fiscalização, funcionando como mecanismo de eficiência alocativa, tal como preconiza a AED.

A retirada de benefícios fiscais por parte dos Estados [4], por sua vez, produz efeitos em sentido contrário. Ainda que possa gerar um ganho fiscal imediato ou atender a pressões políticas locais, essa medida acaba criando externalidades negativas significativas.

Empresas que já haviam internalizado custos ambientais por meio da moratória veem-se punidas pela perda de incentivos, o que gera insegurança jurídica, desincentiva novas adesões e pode comprometer a atratividade do Brasil em mercados externos. Em vez de reforçar a autorregulação privada, o Estado, nesse cenário, sinaliza que investir em sustentabilidade pode não trazer retorno econômico, invertendo a lógica dos incentivos pigouvianos. As possíveis externalidades positivas de tal retirada são, em grande medida, ilusórias, pois o aumento da arrecadação, quando existente, dificilmente compensa os custos sociais e ambientais decorrentes do desestímulo à preservação.

Não apenas isto. O desincentivo à proteção do meio ambiente, mediante o aumento de custos tributários para quem se propõe a adotar medidas de sustentação e exploração racionais, no longo prazo, poderá implicar no esgotamento de tais biomas, incorrendo na já muito debatida externalidade da Tragédia dos Comuns [5].

Nesse contexto, surgem trade-offs importantes. A adesão à moratória implica sacrificar potenciais ganhos de curto prazo associados à expansão agrícola em áreas não controladas, mas assegura acesso a mercados consumidores internacionais, preserva a reputação do setor e garante benefícios de longo prazo para a coletividade, aliás, como determina a nossa Magna Carta [6]. Do lado dos Estados, a decisão de revogar benefícios fiscais envolve escolher entre a arrecadação imediata e a manutenção de políticas ambientais mais amplas, com possíveis efeitos negativos para biomas hoje preservados. A AED demonstra que priorizar ganhos fiscais de curto prazo em detrimento da preservação gera ineficiências intertemporais, pois os custos de degradação ambiental, de perda de mercados e de incremento da fiscalização estatal tendem a superar os benefícios arrecadatórios, certamente.

Um ponto central da análise é se a retirada dos benefícios fiscais pode ser qualificada como correção de falha de mercado [7] ou se configura, na realidade, uma falha de governo. A resposta é clara: não há correção de falha de mercado, porque a Moratória da Soja já atua na internalização dos custos ambientais. Ao contrário, a retirada de benefícios funciona como uma falha de governo, isto é, uma intervenção estatal que cria distorções maiores que as que se pretendia resolver. Em vez de corrigir externalidades negativas do mercado, o Estado desestrutura e impede arranjos privados eficientes, reduzindo a eficácia dos mecanismos de autorregulação.

As consequências dessa falha de governo são múltiplas. O primeiro efeito é o enfraquecimento das iniciativas privadas de sustentabilidade, uma vez que a retirada de benefícios sinaliza que não há vantagem em investir em conformidade ambiental. O segundo é o aumento do custo de fiscalização estatal, pois a diminuição da autorregulação privada exige maior esforço do poder público para monitorar e coibir o desmatamento. Em terceiro lugar, há perda de competitividade internacional, uma vez que os mercados externos tendem a punir produtos sem garantias ambientais. Por fim, instala-se um ambiente de insegurança institucional, que fragiliza a confiança entre setor privado e Estado, aumentando a percepção de risco por parte dos investidores.

A retirada dos benefícios fiscais também acarreta um risco moral [8] importante. Ao punir empresas que aderem à moratória, o Estado cria um incentivo perverso, na medida em que, inegavelmente, as pessoas reagem a incentivos [9]: torna-se mais racional, para agentes privados, não investir em práticas de preservação ambiental, já que tais esforços não são reconhecidos e podem até gerar prejuízo econômico. Isso aumenta o oportunismo, desestimula a conformidade e amplia a probabilidade de degradação ambiental. Em termos de AED, trata-se de um típico caso em que os incentivos são invertidos, levando a um resultado socialmente ineficiente.

Em conclusão, a Moratória da Soja representa um exemplo positivo de autorregulação privada capaz de internalizar externalidades ambientais, reduzindo custos sociais e contribuindo para a preservação do bioma amazônico. A retirada de benefícios fiscais por parte dos Estados, entretanto, não corrige falhas de mercado, mas cria uma falha de governo, com consequências negativas para a eficiência econômica, a preservação ambiental e a credibilidade institucional do país.

Sob a perspectiva pigouviana e da AED, políticas tributárias e fiscais deveriam reforçar, e não punir, iniciativas empresariais que buscam alinhar interesses privados e coletivos.

 

[1] Mankiw, N. Gregory. Princípios da Microeconomia. Editora Cengage. 6ª Edição, pág. 190.

[2] Samuelson. Paul A. e Nordhaus William D. Economia. Editora McGrawHill. 17ª Edição, pág. 29.

[3] Uma das espécies dos denominados Custos de Transação. Yeung, Luciana e Camelo, Bradson. Introdução à Análise Econômica de Direito. Editora JusPODIVM, pág. 197

[4] Neste sentido as seguintes leis estaduais: Rondônia — Lei Estadual nº 5.837/2024 (26/07/2024); Mato Grosso – Lei Estadual nº 12.709/2024 (24/10/2024); Maranhão — Lei Estadual nº 12.475/2025 (14/01/2025) e Tocantins — Lei Estadual nº 4.791/2025 (21/07/2025).

[5] Mackaay, Ejan e Rousseau, Stéphane. Análise Econômica do Direito. Tradução Rachel Sztajn. Editora Atlas. Segunda Edição, pág. 26.

[6] Art. 145, §3º; Art.170, IV; Art. 186, II e Art. 225, dispositivos estes expressamente adotados pelo STF como expressão manifesta do direito fundamental da sociedade brasileira ao meio ambiente sustentável, consoante se vê nos julgamentos das ADPF nº 708, 760, 1028 e 1029.

[7] Carvalho, Cristiano e Camelo, Bradson. Análise Econômica do Direito Tributário. Editora JusPODIVM Pág. 71.

[8] Idem, ibidem, pág.86.

[9] Mackaay, Ejan e Rousseau, Stéphane. Idem, pág. 31.

 

Por: Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli é advogado, mestre e doutor pela PUC-SP.

Foto: reprodução

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