Trabalho intermitente: uma solução ou desafio?

Trabalho intermitente: uma solução ou desafio?

Em dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão de grande relevância ao declarar a constitucionalidade do trabalho intermitente, modalidade instituída pela Reforma Trabalhista de 2017. O julgamento traz segurança jurídica para empresas e trabalhadores informais, mas também reacende debates sobre os limites da flexibilização das relações de trabalho no Brasil.

O contrato de trabalho intermitente, previsto no artigo 443, §3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é caracterizado pela alternância entre períodos de prestação de serviços e inatividade, de acordo com a demanda do empregador. Essa modalidade oferece uma alternativa formal para atividades que antes eram realizadas na informalidade, mas exige uma análise cuidadosa para compreender seus impactos práticos.

 

Solução ou desafio?

A decisão do STF valida a contratação de trabalhadores que exercem suas atividades de forma informal, garantindo direitos como 13º salário, férias + 1/3, repouso semanal remunerado, recolhimento de INSS e FGTS. Para as empresas, o modelo permite ajustar a força de trabalho à sazonalidade, reduzindo custos fixos.

Contudo, a aplicação prática do contrato intermitente traz desafios. Diferentemente do contrato tradicional, em que o trabalhador possui uma remuneração fixa e previsível, o intermitente não oferece garantias mínimas de jornada ou renda, gerando insegurança financeira para os empregados.

Além disso, essa modalidade exclui o acesso a certos benefícios, como o seguro-desemprego, e prevê o encerramento automático do vínculo caso o trabalhador não seja convocado por mais de um ano. A decisão do STF reforça a necessidade de observância rigorosa às regras do contrato intermitente. Para os empregadores, é essencial garantir que:

  1. O contrato seja formalizado por escrito, registrado em carteira de trabalho e no E-social, contendo o valor da hora de trabalho;
  2. A remuneração respeite o valor da hora de trabalho com base no salário-mínimo e piso da categoria;
  3. Os pagamentos sejam feitos imediatamente após o término de cada período trabalhado, incluindo direitos proporcionais.

Estudos recentes indicam que o trabalho intermitente ainda é pouco representativo no mercado formal, correspondendo a pouco menos de 10% dos vínculos registrados. No entanto, desde sua regulamentação, houve um aumento de ações judiciais questionando sua aplicação. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam um crescimento de 116% nos processos sobre o tema entre 2021 e 2023.

 

Um futuro com estabilidade?

A decisão do STF consolida o trabalho intermitente como uma alternativa válida, mas não elimina as críticas.

A decisão do STF foi proferida face às Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas por sindicatos que em defesa dos trabalhadores argumentam que o contrato intermitente propicia a precarização da relação de emprego e funciona como justificativa para o pagamento de salários inferiores ao mínimo assegurado constitucionalmente.

Apontam, ainda, impedimento à organização coletiva, o que viola o direito social fundamental de organização sindical, pois os trabalhadores admitidos nessa modalidade podem atuar em diversas atividades.

No julgamento, alguns Ministros em seu voto vencido, defenderam que para que essa modalidade de relação trabalhista seja válida, é necessário que se assegure a proteção aos direitos fundamentais trabalhistas, como a garantia de remuneração não inferior ao salário-mínimo. Nesse sentido, fundamentam que o trabalho intermitente na forma da reforma da CLT, é insuficiente para proteger os direitos fundamentais sociais trabalhistas, pois não fixa horas mínimas de trabalho nem rendimentos mínimos, ainda que estimados.

Todavia, há quem defenda a importância da modalidade de trabalho intermitente para setores com demandas sazonais, como comércio e eventos.

O trabalho intermitente é, sem dúvida, um reflexo das mudanças no mercado e das demandas por maior flexibilidade nas relações laborais. Mas, em contrapartida, possibilita que as empresas utilizem a modalidade de trabalho como manobra para reduzir custos, uma vez que podem dispensar o empregado e o recontratar como trabalhador intermitente imediatamente.

Apesar de serem pagos todos os direitos ao trabalhador de forma proporcional ao final da prestação de serviços, não há obrigatoriedade de convocação do empregado ou fixação de um salário-mínimo e jornada de trabalho, o que precariza a relação de trabalho.

Para que o modelo funcione dentro da constitucionalidade, os empregadores e trabalhadores precisam conhecer e cumprir suas obrigações. Além disso, o acompanhamento sindical e a fiscalização pelo Ministério do Trabalho podem auxiliar a questão.

A consolidação do trabalho intermitente depende de um equilíbrio que não sacrifique a proteção social em prol de uma maior liberdade contratual.

Sobre a dra. Gabriella Maragno da Silva 

Advogada no escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados, inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil sob o nº 476.591. Bacharela em Direito pela Universidade Paulista. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e pós-graduanda em Processo Civil.

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