Quando o assunto está relacionado às “queimadas” pelo país, a sensação que tenho é a de que estamos todos confusos! Sentimos as consequências trazidas pelo tempo extremo, quando se associam três fatores: altas temperaturas, baixa umidade do ar e ventos fortes. Uma combinação que, quando encontra vegetação seca, provoca a destruição que acompanhamos nas últimas semanas na televisão e nas redes sociais e que impacta tanto o produtor rural quanto a dona de casa que vive na cidade.
Mas a quem culpar?
Em primeiro lugar, é preciso diferenciar “incêndio florestal” (fogo não controlado ou não planejado) de “queimadas” (controladas ou prescritas). Estas últimas podem estar condicionadas à autorização do órgão ambiental competente e permitidas apenas fora dos períodos proibitivos. Ambas estão muito bem caracterizadas na Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (Lei 14.944, de 31 de julho de 2024).
Muitos “juristas da internet” apontam o dedo sem embasamento e criminalizam o setor produtivo agropecuário, mesmo desconhecendo os cenários e elos dessa cadeia produtiva, que depende do clima para continuar pujante e economicamente viável. Um produtor não queimaria intencionalmente seus principais ativos! Afinal, para que exista colheita dos grãos ou para que o boi engorde no pasto, é preciso um regime regular de chuvas, qualidade do solo e conservação ambiental, obrigatória por lei!
Os ativos custam para quem produz: de acordo com o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (IMEA), para a safra 24/25, o agricultor mato-grossense desembolsou, com as atividades para a correção do solo e investimentos em defensivos e fertilizantes, aproximadamente R$ 1,7 mil por hectare. No caso da cadeia da carne bovina estruturada, segundo o IMEA, o pecuarista mato-grossense tem um custo operacional total médio de R$204,39 por arroba vendida num ciclo completo dos animais. Levantamentos do Ministério Público Federal mostram que aproximadamente 92% dos animais abatidos para comercialização em Mato Grosso no ano de 2023 vêm de fazendas que passam por verificações socioambientais executadas por indústrias frigoríficas que assinaram um TAC (termos de ajustamentos de conduta) com o próprio MPF.
Cuidar do solo é vital para a agropecuária comercial! Uma área atingida pelo fogo, além da perda da biodiversidade, joga fora todo este dinheiro e fica improdutiva, necessitando de novos investimentos! Existe também o risco de multas e embargos e o consequente impedimento de comercialização. Queimar áreas preparadas é queimar dinheiro! Quem iria queimar seu próprio dinheiro desta forma?
Muitas pessoas escutam boatos e me perguntam o que está acontecendo no mundo real, no chão das fazendas? Muitas suspeitas e acusações podem ser reais, mas não temos certeza. No auge de uma crise como essa, não é hora de buscar culpados, alimentando a desinformação. Penso que é preciso compreender quais são os elos da sociedade envolvidos e, principalmente, quais setores são beneficiados por esses incêndios. Investigar e buscar provas já é uma tarefa da polícia!
Então, a quem interessaria queimar solo e vegetação?
Diferentemente dos produtores rurais, os especuladores imobiliários perceberam que a terra com floresta não tem valor nenhum para eles, mas desmatada ela passa a valer muito. São esses que grilam terras públicas, desmatam com as queimadas (que é a forma mais barata de desmatamento, para quem não tem documentos que os vinculam à terra), em um segundo momento cercam as áreas queimadas e colocam bezerros entre os tocos secos e tentam parecer produtores rurais, mas não são! Esses criminosos não produzem nada e parecem ser os maiores interessados em provocar esses incêndios! Parte dessas áreas, com o passar dos anos, é regularizada e termina sendo comprada legalmente e integrada no sistema produtivo formal, seja para pecuária ou para agricultura. O que o poder público poderia fazer para evitar essas ações?
O que sei é que não podemos confundir invasões de terras, desmates ilegais e incêndios criminosos motivados pela especulação imobiliária ou motivações que não conseguimos compreender, com as atividades de rotina executadas por agricultores e pecuaristas que vendem sua produção para tradings e frigoríficos, sujeitos a uma complexa verificação de exigências socioambientais de suas propriedades.
É preciso compreender que os produtores que seguem a legislação e as boas práticas são aliados do clima e têm papel relevante na produção de alimentos, contribuindo para a segurança alimentar e climática global. E esses também se tornam vítimas dos especuladores imobiliários, uma vez que suas áreas destinadas à conservação por lei são ameaçadas de invasão ou atingidas por queimadas criminosas. Áreas públicas como Parques, Unidades de Conservação e Terras Indígenas também são dizimadas em consequência dessa tentativa irresponsável de valorização de terras por quem não tem relação com o setor produtivo.
Independentemente das ações de autoridades políticas, caberá ao produtor rural, a partir de agora, tratar o combate aos incêndios com o mesmo profissionalismo que exerce em suas lavouras ou em sua pecuária intensiva. Financiamentos verdes e subsídios devem surgir para custear ações preventivas e investimentos em equipamentos de combate a incêndios. Será cada vez mais importante a utilização de tecnologia para monitoramento do fogo, estruturação de aceiros, treinamento de colaboradores, criação ou profissionalização das brigadas de incêndio regionais, que podem utilizar-se de aeronaves agrícolas para jogar água nos focos de fogo no período da seca.
Aos ambientalistas e comunicadores que simplificam a questão apontando o agronegócio como o principal vilão, cabe pesquisar melhor e reconhecer as particularidades de cada elo das cadeias envolvidas, contribuindo com propostas mais efetivas para enfrentar o problema.
Acredito que, enquanto a terra desmatada tiver muito mais valor que a terra florestada, esse problema da especulação imobiliária não vai acabar. Um bom caminho que vislumbro é o fortalecimento do Mercado de Carbono e de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Será a concretização da verdadeira vocação do produtor rural brasileiro, que além de produtor de alimentos, fibra e energia, também será reconhecido como prestador de serviços ambientais. A estruturação desses mercados, juntamente com a boa informação ao consumidor global sobre nossos atributos de sustentabilidade, trará mais proteção aos nossos biomas, valorizando assim o nosso sistema produtivo sustentável.
Não é mais tempo de debates infundados, em busca de encontrar culpados entre aqueles que produzem legalmente e protegem a biodiversidade dentro de suas terras! Esses estão ocupados, trabalhando dentro da lei!
*Caio Penido é empresário, produtor audiovisual e rural na região do Vale do Araguaia, em Mato Grosso, e presidente do IMAC (Instituto Mato-grossense da Carne). Foi fundador da Liga do Araguaia, movimento que nasceu em 2015 visando a adoção de práticas sustentáveis e que em 2021 se tornou o Instituto Agroambiental Araguaia.
Dejane Arnhold