Sua conclusão é alarmante: o princípio fundador das redes sociais consiste em se aproveitar das vulnerabilidades psicológicas, criando um contexto sombrio em que os estímulos e a polarização incentivam pessoas comuns a se transformarem em extremistas.
É nítido que os tempos modernos são marcados pela globalização. Como destaca Zygmunt Bauman, em sua obra “Globalização, as consequências humanas”, a ascensão da rede mundial de computadores eliminou, no campo da informação, as barreiras de distância e tempo, tornando as informações instantaneamente acessíveis em todo o planeta, tanto na teoria quanto na prática. Em termos políticos, o atual estado de coisas parece ter elevado a polarização da sociedade ao status de doença autoimune. Segundo a pesquisa Latam Pulse, realizada pela Bloomberg, o nível de conflitividade no Brasil em relação aos eixos político-partidário, religioso e classes sociais, supera os registrados na Argentina, no México e na Colômbia.
É nesse contexto que Mark Zuckerberg, fundador e líder da Meta – dona de Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp -, surpreendeu o mundo ao anunciar que a empresa abandonará o Programa de Checagem de Fatos e permitirá mais conteúdos políticos. Segundo ele, verificadores de publicações serão substituídos por um sistema conhecido como Notas da Comunidade. É dizer: em vez de continuar removendo postagens falsas, a moderação do material publicado nas redes controladas pela Meta passará a depender dos próprios usuários, que terão a função de adicionar correções e fornecer contexto às publicações contendo informações enganosas.
Embora a mudança ocorra, por enquanto, apenas nos EUA, a preocupação é global.
Zuckerberg justifica que as plataformas voltarão para suas “raízes e origens”. Segundo ele, com menos regulações será mais fácil de evitar que o conteúdo de pessoas inocentes seja apagado por engano. Entretanto, ele parece ignorar o risco de que tal iniciativa transforme as redes sociais em terreno fértil para um desfecho distópico, semelhante à sociedade retratada por Aldous Huxley em “O Admirável Mundo Novo”. Na obra, certamente uma das mais emblemáticas do século XX, Huxley descreve um mundo em que os aspectos sociais, culturais e econômicos são rigidamente pré-determinados, enquanto as pessoas, inconscientes de sua condição, são continuamente manipuladas e psicologicamente condicionadas.
Conforme nota divulgada pelo Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), o anúncio deve ser enxergado com preocupação, pois afronta iniciativas regulatórias legítimas e impacta diretamente o dia a dia dos usuários, expondo-os a fraudes, abusos e desinformação, enfraquecendo as regras de moderação e diminuindo a segurança das plataformas, especialmente em relação a grupos mais vulneráveis.
Em última análise, torna-se claro que a colaboração espontânea dos usuários não pode, de forma eficaz, substituir a verificação especializada, especialmente diante do ambiente informativo saturado e do progresso acelerado da inteligência artificial.
Fonte: Stéfano Ribeiro Ferri – Especialista em Direito. Membro da comissão de Direito Civil da OAB –Campinas. Formado em direito pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Sócio fundador do Stéfano Ferri Advocacia. Instrutor da 6ª Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP.
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