Doenças ocupacionais e o dever do empregador de prevenir riscos no trabalho

Doenças ocupacionais e o dever do empregador de prevenir riscos no trabalho

 Omissão empresarial pode gerar indenizações e comprometer a saúde física e mental do empregado

As doenças ocupacionais permanecem como uma realidade silenciosa, mas extremamente impactante, no mercado de trabalho brasileiro. Muitas vezes negligenciadas, elas comprometem a saúde de milhões de trabalhadores e geram efeitos econômicos e sociais que vão muito além das estatísticas oficiais.

Presentes em setores industriais, em atividades rurais e até em escritórios, essas doenças podem decorrer tanto da execução de tarefas repetitivas quanto das condições ambientais em que o trabalho é desempenhado. De acordo com o artigo 20 da Lei nº 8.213/1991, elas se dividem em duas categorias: Doença profissional, ligada diretamente ao exercício da atividade, como a LER/DORT entre digitadores e Doença do trabalho, relacionada às circunstâncias em que a atividade é executada, como problemas respiratórios causados por poeira, produtos químicos ou ruídos excessivos.

A lista, contudo, vai além das lesões físicas. Crescem de forma expressiva os casos de transtornos mentais, como ansiedade, depressão e síndrome de burnout. Segundo dados do INSS, os transtornos psíquicos já figuram entre as principais causas de afastamento laboral no país, refletindo uma tendência global. Desde 2020, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece oficialmente tais transtornos como doenças relacionadas ao trabalho.

A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXII, assegura aos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Esse comando constitucional ganha concretude com as Normas Regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho e Emprego, que orientam a prevenção de acidentes e doenças ocupacionais. Entre elas, destacam-se: NR 7, que institui o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), prevendo acompanhamento clínico periódico dos trabalhadores; NR 1, que introduziu o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), voltado à antecipação e ao controle dos riscos ambientais.

Cabe, portanto, ao empregador papel central nesse processo. A obrigação não se resume ao fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), mas envolve a criação de políticas efetivas de prevenção e monitoramento. Isso significa adotar medidas ergonômicas, estabelecer pausas para descanso, implementar ginástica laboral, investir em programas de bem-estar e acompanhar sinais de alerta, como o aumento de afastamentos médicos.

Outro ponto sensível é a necessidade de combater o estigma que cerca as doenças ocupacionais, sobretudo as de ordem psicológica. Muitos trabalhadores evitam relatar sintomas por medo de represálias ou julgamentos, o que dificulta a identificação precoce de problemas. A promoção de um ambiente de acolhimento, com incentivo ao diálogo aberto, é fundamental para criar uma cultura organizacional saudável e prevenir agravamentos.

Do ponto de vista jurídico, a negligência empresarial pode ter consequências severas. O Código Civil (arts. 186 e 927) prevê a obrigação de reparar danos decorrentes de ação ou omissão. Já a Consolidação das Leis do Trabalho impõe ao empregador o dever de preservar a saúde e a integridade física do empregado.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem reiterado esse entendimento, responsabilizando empregadores que falham em adotar medidas preventivas. Em tais casos, as condenações podem incluir indenizações por danos materiais e morais, e até mesmo o pagamento de pensão vitalícia, em situações mais graves.

Garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável transcende a esfera legal: trata-se de um compromisso ético e de responsabilidade social. Empresas que investem na proteção da saúde física e mental dos seus empregados colhem benefícios que vão além da produtividade. Fortalecem a confiança nas relações de trabalho, consolidam sua reputação e contribuem para a sustentabilidade das organizações em uma economia cada vez mais exigente.

As doenças ocupacionais, portanto, não podem ser tratadas como fatalidades individuais, mas como um reflexo direto da forma como o trabalho é organizado. Prevenção, acolhimento e transparência não são apenas obrigações jurídicas — são escolhas estratégicas e humanas que definem o futuro das relações laborais no Brasil.

Sobre a autora
 Patrícia Souza Anastácio é advogada, consultora, palestrante e especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela USP. Especialista em Direito Processual Civil pela ESA. Pós-graduanda em Direitos Humanos pela PUC-Minas. MBA em Advocacia Corporativa e Governança EaD. Conselheira da AASP – Associação dos Advogados. Membra efetiva da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB. Advogada membra da ANAN – Associação Nacional dos Advogados Negros. Sócia do Escritório Chaul, Anastácio e Carvalho Advogados. Fundadora e Vice-Presidente do Instituto Black Bird.

 

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