Como fazia diariamente, atravessou a rua, caminhou até o carro e se preparava para dar partida quando foi abordado por um homem à espreita. Sem qualquer chance de defesa, foi alvejado por 12 tiros à queima roupa. Cada detalhe da execução havia sido planejado com meticulosidade e antecedência por quase dois meses.
Contratado por 40.000 reais, o pistoleiro pesquisou o histórico profissional do alvo, fez os primeiros contatos com a vítima semanas antes, apresentou-se como um capelão manco interessado na aquisição de terras para um sobrinho e, como disfarce final, combinara com um comparsa acionar um clube de tiro local para esquentar a arma de uso restrito.
Na hora decisiva, improvisou um silenciador para abafar os estampidos e disparou. Zampieri morreu na hora. Era para ser o crime perfeito. Não foi.
Caído ao lado do pé esquerdo da vítima, o celular de Zampieri se transformaria em peça-chave de uma trama de assassinato, venda de decisões judiciais e achaques a juízes do Mato Grosso.
Seu conteúdo chegaria ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e à Polícia Federal, em Brasília, e revelaria também que servidores da estrita confiança de alguns dos ministros mais antigos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Isabel Gallotti, Og Fernandes, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi – mercadejavam decisões judiciais em benefícios de uma quadrilha.
A investigação em poder da PF não identificou a participação ou complacência de nenhum ministro citado, mas as mensagens em poder dos investigadores mostram pressão para a quitação de propinas, cobranças de valores em atraso e comemorações quando o binômio achaque-pagamento era concluído.
Rastros do crime
Em um dos diálogos encontrados no celular, o empresário e lobista Andreson Oliveira, depois de ter conseguido antecipadamente a minuta de um voto encomendada por um comparsa, cobra valores do advogado Roberto Zampieri em um processo que envolvia o litígio de um dos maiores bancos do país no Mato Grosso.
Tratava-se da compra de uma fazenda em Barra do Garças (MT) em que parte do pagamento seria feito a partir de operações de crédito da instituição financeira, que agora cobrava a quitação do passivo.
Com a decisão efetivamente assinada pelo ministro em questão, o lobista comemorou quando comparou o rascunho do voto, a que teve acesso depois de negociar o pagamento a um servidor do gabinete, e a decisão efetivamente tomada: “até a virgula é igual”, escreveu em uma mensagem apreendida pela PF.
Semanas depois, Andreson volta a acionar Zampieri e cobra 50.000 reais para repassar ao “amigo”, identificado nas mensagens como chefe de gabinete e homem de confiança de um dos ministros do STJ.
Em um áudio também em poder dos investigadores, o lobista relata que o mesmo chefe de gabinete ligou diretamente para ele perguntando sobre pagamentos em atraso ou, nas palavras dele, o dinheiro “daquele caso que falta da Cátia”. A polícia ainda investiga o contexto completo do diálogo.
Em uma nova conversa, Andreson relata que sua esposa, a advogada Mirian Ribeiro Rodrigues de Mello Gonçalves, recebeu um telefonema cobrando a quitação de propinas em aberto. Roberto Zampieri informa, na sequência, que não receberia os valores do achaque naquele dia e se certificou de qual servidor do STJ cobrava insistentemente o pagamento. As investigações apontam que cada decisão podia ser comercializada por valores que variavam de 50.000 a 100.000 reais.
Tempos depois, o lobista envia um áudio em tom ameaçador ao parceiro. Reclama que Zampieri estava deixando os servidores do STJ irritados com o atraso nos pagamentos e dizia que tentava despistar, alegando que supostamente não tinha conseguido contato com ele para cobrar o devido.
O temor de ambos era o de que a eventual inadimplência na quitação das propinas colocasse o esquema em risco. “Depois dá uma zica no seu trem lá…”, disse.
À Veja, Andreson Oliveira Gonçalves disse que era amigo de Roberto Zampieri, mas que nunca discutiu com ele nenhum tipo de atividade criminosa envolvendo assessores de ministros do STJ.
“Nunca falei de ministro do STJ nem assessor nem chefe de gabinete de ministro com Zampieri, mesmo porque não os conheço. Não conheço, não tenho amizade, não tenho contato, não tenho nada com assessor, chefe de gabinete ou ministro do STJ”, afirmou.
Quando Roberto Zampieri foi executado em dezembro passado, empresários, parlamentares, juízes e os próprios familiares da vítima deram início a uma intensa movimentação de bastidores para impedir que a íntegra do conteúdo do celular do advogado um dia viesse à tona.
Um magistrado local mandou um preposto recolher o telefone em uma delegacia, políticos do estado começaram a cobrar favores em troca do acervo armazenado no aparelho, e a família recorreu até ao Supremo Tribunal Federal (STF) para bloquear em definitivo a maior parte das mensagens armazenadas.
O Ministério Público do Mato Grosso ainda investiga se o assassinato tem alguma relação com o esquema de venda de sentenças judiciais, mas um episódio recente deixou o cenário ainda mais tormentoso.
No início de julho, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso Renato Nery foi morto com sete tiros em frente a seu escritório em Cuiabá. Nery havia denunciado e atribuído a Zampieri participação no esquema de achaque hoje investigado pela Polícia Federal. Quase um ano após o crime, a real motivação dos assassinatos pode ser nitroglicerina pura.
Por: LARYSSA BORGES – VEJA/ Foto: reprodução