Não é raro ouvir, aqui ou acolá, um comentário crítico questionando a aprovação ou a reprovação das contas desse ou daquele gestor.
Geralmente tais observações são guiadas pela simpatia, antipatia, identificação ou rejeição em relação ao governante. Quando a pessoa se identifica com as suas ideias ou concorda com seus projetos, considera que o dever do tribunal de contas é o de aprovar e aplaudir o referido mandatário. De outro lado, quando se é oposição, exige-se que as contas sejam sumariamente reprovadas e os administradores penalizados com o rigor máximo autorizado pela lei.
Mas não é assim que deve ser. O juízo deve ser técnico e imparcial.
A incompreensão sobre o papel dos tribunais de contas não é recente. Em 1888, dois anos antes da criação do Tribunal de Contas da União, no seu romance ‘Os Maias’, Eça de Queiroz colocou na boca do personagem Carlos uma indagação que até hoje é compartilhada por muitos: “Que diabo se faz no Tribunal de Contas?”
E a resposta do personagem Taveira traz a marca irônica do romancista português: “Faz-se um bocado de tudo para matar o tempo. Até contas.”
É a palavra “contas” que gera alguma confusão. Numa acepção mais comum, “contas” remete a operações aritméticas, como adição, subtração, multiplicação e divisão. Um responsável por fraude nas contas seria alguém que manipularia os dados numéricos, ao subestimar receitas ou superfaturar pagamentos. Em outra perspectiva ultrapassada, analisar as contas limitar-se-ia à verificação da exatidão dos demonstrativos contábeis dos órgãos públicos, tais como balanços orçamentário, financeiro e patrimonial.
Na realidade, quando apreciam ou julgam as contas de determinado administrador os órgãos de controle consideram um universo muito maior de dados. “Contas” é a denominação de um conjunto de informações que se possa obter, direta ou indiretamente, a respeito de uma dada gestão, desde que garantida a sua confiabilidade e permitida a avaliação da legalidade, legitimidade, eficácia, eficiência e economicidade dessa gestão. Tais informações não são restritas a documentos contábeis, mas também envolvem relatórios de gestão, indicadores de desempenho na execução de políticas públicas etc.
Assim, no contexto do direito público, do controle externo e da auditoria governamental, “contas” é muito mais que um conceito contábil ou aritmético.
Por isso, em diversos países os órgãos de controle começam a ser designados como tribunais da governança pública, cujas avaliações consideram, para além da regularidade da arrecadação e da despesa públicas e da legitimidade e economicidade das ações governamentais, os resultados alcançados na consecução de objetivos programáticos e na concretização de direitos fundamentais, como a educação, a saúde, a segurança e a proteção ao meio ambiente.
Os crescentes desafios de uma sociedade em acelerada transformação, em virtude, entre outros fatores, das inovações tecnológicas e mudanças climáticas, exigem que as instituições de controle, em todos os níveis, atuem com maior independência, imparcialidade e tempestividade.
Luiz Henrique Lima é professor e conselheiro independente certificado.